A sabatina de André Mendonça pelo Senado – Parte 2: evangélicos no STF

Bereia prossegue com a parte 2 da checagem da sabatina de André Mendonça, agora sobre o “salto” da chegada de um evangélico ao STF (veja aqui a parte 1).

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Luiz de Almeida Mendonça é um advogado e pastor presbiteriano. Durante a sabatina perante a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Mendonça reiterou sua postura garantista, bem como declarou compromisso com o Estado laico e o respeito aos direitos de minorias. Foi aprovado na comissão com 18 votos favoráveis e 9 contrários e no plenário com 47 votos favoráveis e 32 contrários.  

Em sua primeira entrevista após a aprovação de seu nome para a condição de ministro, parafraseando a chegada do homem à Lua, na década de 60, quando o astronauta norte-americano Neil Armstrong classificou o feito como “um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”, Mendonça declarou: “É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil é um salto. Um passo para um homem e um salto para os evangélicos”

Não foi salto

Em Brasília, os evangélicos sabem que Mendonça não foi o primeiro evangélico a ocupar um cargo elevado na elite do judiciário. Este “salto” foi noticiado pelo Jornal Batista, em 21 de fevereiro de 1957.  Na capa do periódico religioso há um destaque para o diácono Antônio Martins Villas Boas, a quem o Jornal Batista felicitou por ter sido escolhido por unanimidade (33 votos, na época), destaca que é um crente fiel. Há uma grande comunidade batista em Brasília que é testemunho de sua dedicação. Fundada em 1967 pelo então ministro do STF Antonio Martins Villas Boas, a Igreja Batista Central de Brasília reúne, semanalmente, 4,5 mil fiéis nos cultos. A atuação do ministro foi discreta, mas operosa na fundação de congregações e na assessoria de instituições evangélicas por toda a região. O ministro Antônio Villas Boas exerceu a presidência da Corte de 9 de março de 1965 até 15 de novembro de 1966. Possivelmente o silêncio sobre sua figura remonta aos anos de chumbo.

Imagem: reprodução d’O Jornal Batista

O verbete sobre o ministro Villas Boas, no CPDOC (da FGV), acentua sua atividade incômoda ao regime de arbítrio: “Como ministro do STF, Vilas Boas votou favoravelmente à transferência desse órgão para Brasília, o que de fato se consumou a partir de abril de 1960. Participou de diversos julgamentos de importância política, como ocorreu em 18 de setembro de 1957, quando votou a favor das representações dos diretórios regionais do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e do Partido Republicano (PR), bem como da deputada Almerinda Magalhães Arantes, contra o Ato Constitucional nº 1, promulgado em maio de 1957 pela Assembleia Legislativa de Goiás, prorrogando por mais um ano os mandatos do governador, do vice-governador e dos prefeitos desse estado. A votação do STF processou-se por unanimidade”.

Todavia, não são apenas ministros cassados que escreveram a história da presença evangélica nas cortes superiores. A família Gueiros (com vários líderes presbiterianos e um ramo batista), também forneceu vários de seus filhos para as cortes durante a ditadura militar. O Rev. Jerônimo de Carvalho Silva Gueiros (1880-1953) pastor, professor, jornalista teve doze filhos. Entre eles, Neemias Gueiros foi o redator do Ato Institucional nº 2 e Evandro Gueiros foi o primeiro presidente do Supremo Tribunal de Justiça.  Eraldo Gueiros Leite (1912 1983) ocupou o centro do poder, durante o regime de exceção, como ministro do Supremo Tribunal Militar (STM). Como presidentes do STJ e do STM, evangélicos já ocuparam, portanto, o centro do poder judiciário brasileiro, em época recente.

O Salto Supremo: A Presidência da República

Além das cortes superiores, topo da carreira do Judiciário, evangélicos já ocuparam também a Presidência da República, duas vezes. Com Café Filho, presbiteriano, e Ernesto Geisel, luterano.

Café Filho

João Fernandes Campos Café Filho  (1899-1970) foi um advogado e político brasileiro, tendo sido o 18.º presidente do Brasil, entre 24 de agosto de 1954 e 8 de novembro de 1955. Também foi o 13.º vice-presidente do país, entre 1951 e 1954, função que assumira paralelamente com a de presidente do Senado Federal. Era filho de um líder da Igreja Presbiteriana,  frequentou o Colégio Americano, o Grupo Escolar Augusto Severo, a Escola Normal e o Ateneu Norte-Rio-Grandense, todos localizados em Natal. Foi o único potiguar e o primeiro protestante a ocupar a Presidência da República do Brasil. 

Ernesto Geisel

Ernesto Beckmann Geisel (1907-1996) general do Exército brasileiro, que, entre 1974 e 1979, foi o 29º Presidente do Brasil, tendo sido o quarto na ditadura militar. Filho de imigrantes luteranos alemães, estudou no Colégio Martinho Lutero de Estrela (RS) e no Colégio Militar de Porto Alegre, formando-se aspirante a oficial na Escola Militar de Realengo, atual Academia Militar das Agulhas Negras, na arma de artilharia. Depois de alcançar o topo da carreira militar, como general, participou do grupo que depôs o presidente João Goulart, atuou no governo de Castelo Branco e, no período de Costa e Silva, foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar (STM), onde participou do julgamento de inúmeros processos referentes a crimes políticos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Com fama de “disciplinador”, Geisel foi ativo e influente das Forças Armadas. Como o fim da ditadura,envolveu-se na eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em 1985. Geisel apoiou o presidente José Sarney (1985-1989) e defendeu a realização de eleições diretas para a Presidência da República, com a retirada dos militares para os quartéis.

Educação, a melhor política

Nos perfis biográficos de Villas Boas, dos Gueiros, de Café Filho e de Geisel há uma constante – o acesso à educação de qualidade, por meio de diversos colégios evangélicos, de educação básica, fundamental e do ensino médio. O professor e historiador ex- Chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie Osvaldo Henrique Hack, em seu livro “Protestantismo e Educação Brasileira” (Editora Cultura Cristã, 2000), acentua que a educação “foi o motor para a formação de uma elite acadêmica, jurídica e econômica” entre os evangélicos, que mesmo minoritários diante da população brasileira, puderam ocupar, pela formação, diversos cargos. Ou seja, as personagens citadas nesta matéria são fruto de uma visão de educação popular, básica e fundamental, que, espalhando-se por todo o Brasil ,resgatou crianças e adolescentes da pobreza e da invisibilidade social. 

Na biografia de Jerônimo Gueiros registra-se: “Fundou com o Rev. Calvin Porter uma escola para rapazes chamada Externato Natalense, na qual estudou João Café Filho (1899-1970), futuro Presidente da República. Também fundou a Escola Eliza Reed e reorganizou o Instituto Pestalozzi, onde lecionou português por vários anos. Foi professor da Escola Normal do Rio Grande do Norte, primeiro interinamente e depois como titular, tendo feito concurso para a cadeira de português em fevereiro de 1919. Rev. Jerônimo foi secretário geral da Associação Cristã de Moços (ACM), que oferecia cursos profissionalizantes, entre os quais datilografia, algo muito valorizado na época. Lecionou no Colégio Americano Batista e fundou o Instituto de Assistência e Educação, que mais tarde recebeu o seu nome”  (Instituto Presbiteriano Mackenzie “Os Consolidadores da Obra Presbiteriana no Brasil”, 2014)

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Bereia verifica, portanto, que não houve um “salto” de evangélicos a um alto espaço de poder público com a aprovação da indicação de André Mendonça ao STF, Já houve outros nomes na história recente do Brasil, ligados a igrejas evangélicas, ocupando cargos relacionados ao Poder Judiciário  e ao cargo maior, a Presidência da República. A pesquisa mostra, também, que a chegada a estes cargos, além de estar relacionada a uma aproximação do poder, tem relação com a formação educacional. As  escolas básicas e fundamentais e as universidades evangélicas são uma rede de inclusão que abriu portas das cortes e escolas para os filhos de imigrantes, migrantes e para a minoria religiosa  evangélica.

Universidade, missão e igreja: para poucos ou para todos?

O Ministro da Educação é pastor presbiteriano. Eu também sou, desde 1996. Em entrevista à TV Brasil, no dia 10/08/2021, Milton Ribeiro declarou que “universidade deveria, na verdade, ser para poucos”. A frase provocou questionamentos, por parte da comunidade acadêmica; gerou indignação entre estudantes e suas famílias e, também, incentivou reflexões sobre o papel da Universidade.

O contexto da frase acompanha a lógica de incentivo à educação técnica – voltada para o mercado de trabalho. No discurso e na prática – que se traduz em verbas cortadas ou reduzidas (veja o gráfico no final do texto) – o Brasil vive um momento de desindustrialização, de subordinação aos processos produtivos internacionais, condenando o país à mera posição de exportador de matérias-primas, minérios, alimentos e proteína animal. Todavia, a engenharia nacional, capaz de produzir no passado, jatos da EMBRAER, poderia também produzir tecnologia 5G. 

Nesse texto, não vamos discutir os pontos acima, mas questionar qual seria a visão de um pastor presbiteriano acerca da universidade. Qual seria a visão da Igreja Evangélica acerca da educação? Optamos pelo modelo de educação e evangelização para as elites? 

Para ajudar, há muitas pistas, livros e instituições. No livro “Protestantismo e Educação Brasileira”, o professor e pastor presbiteriano Osvaldo Henrique Hack, descreve como o impacto dos missionários protestantes (presbiterianos, congregacionais, metodistas e batistas) transformou a educação do Brasil e promoveu uma evangelização consistente, interiorizada.

Em 12 de agosto, dois dias depois da fala do ministro, presbiterianos recordaram que, em 1859, o primeiro casal de missionários chegou ao Brasil – Rev. Ashbel Green Simonton e Helen Murdoch Simonton. Helen morreria no parto de sua primeira filha (1864) e Ashbel faleceu de febre amarela (1867). Atualmente, seriam ambos salvos pelo SUS – com suas maternidades e vacinas.  

O casal Simonton, além de organizar igrejas, também criou o primeiro seminário, o primeiro jornal e uma escola. Todos os quatro casais de missionários pioneiros (Simonton, Blackford, Schneider e Chamberlain) organizaram igrejas e escolas. Havia, inclusive um lema: “ao lado de cada igreja, uma escola”. 

De fato, os missionários acreditavam que “outro meio indispensável para assegurar o futuro da igreja evangélica no Brasil é o estabelecimento de escolas… O Evangelho dá estímulo a todas as faculdades do homem e o leva a fazer os maiores esforços para avantajar-se na senda do progresso.” (Relatório Pastoral de Ashbel Green Simonton, em 1867, cujo original encontra-se no Arquivo Presbiteriano)

James Cooley Fletcher, missionário presbiteriano, filho do banqueiro Calvin Fletcher, graduado na Universidade Brown e Princeton (EUA) foi um dos mais ativos agentes na implantação dessa missão educacional. Entre 1851 e 1856 Fletcher atuou no Brasil, como agente da União Americana de Escolas Dominicais e representante da União Cristã Americana Estrangeira, quando viajou quase cinco mil quilômetros Brasil adentro – distribuindo Bíblias, incentivando escolas, patrocinando missionários e, principalmente, difundindo o sistema educacional norte-americano. Curiosamente, no Brasil, chamava-se à época o sistema estadunidense de “sistema escolar socialista de Horace Mann”.  Em 1866. Fletcher escreveu ao imperador Pedro II, convidando o ministro Joaquim Maria Nascentes de Azambuja e uma delegação brasileira para visitar escolas e universidades nos EUA. Fletcher, Azambuja (que tornou-se Diretor de Instrução Pública nas Províncias do Espírito Santo e Pará) e principalmente o Deputado Aureliano Cândido Tavares Bastos iniciaram uma campanha pública de críticas ao sistema educacional brasileiro. Em 1869, falando no Senado, Francisco de Paula Silveira Lobo, irmão do jornalista e líder abolicionista Aristides Lobo lembrava que “na própria Côrte havia apenas 4.800 alunos primários para uma população estimada em 400 000 a meio milhão de almas”. Ou seja, segundo o Censo de 1872,  a taxa de analfabetismo era de 77,2% (RJ) , 87,1% (PB) e 87,0% (CE). Havia grande disparidade, mas como se pode perceber, a educação era para poucos. 

O analfabetismo era, desde a origem do movimento missionário, o grande problema. No Brasil, para fins de comparação, a alfabetização surge como questão nacional somente com a reforma eleitoral de 1882 (Lei Saraiva), a qual conjugava “censo pecuniário” (econômico) com o “censo literário”, proibindo o voto do analfabeto. A Constituição Republicana de 1891, acabou com o “censo econômico”, mas manteve o “censo literário” (vetando direitos políticos aos analfabetos). 

Assim, não era raro que os missionários protestantes fossem acusados de “agitação política” e “socialismo” por conta de seus esforços alfabetizadores. Na tabela abaixo constatamos que, ainda agora, no Censo 2000, na capital da República, não erradicamos o analfabetismo. Portanto, junto com a Missão, a educação ainda é tarefa da Igreja. Pois como lerão as Sagradas Escrituras se não sabem ler? Que espécie de igreja pode ser gerada sem leitura? 

Tabela – Percentuais de Analfabetismo no Brasil (de 1872 a 2000)

Horace Mann defendia uma educação pública, universal e gratuita, para todos – como forma de alfabetizar, civilizar e gerar progresso e prosperidade. Todos os missionários pensavam da mesma forma. Os batistas chegaram registrar a necessidade de fundarem pelo menos um colégio em cada capital do país. Textualmente: “a superioridade das doutrinas batistas não será demonstrada ao povo brasileiro exclusivamente no campo da evangelização. É justamente no campo da educação que o Evangelho produz os seus frutos seletos e superiores, homens preparados para falar com poder à consciência nacional” (Cabtree, A. História dos Batistas, Casa Publicadora Batista, 1962, p. 125) William Buck Bagby (missionário pioneiro na implantação das missões batistas no Brasil) defendia a tese de que “colégios prepararão o caminho para a marcha das igrejas”.

De fato, os missionários implantavam, junto com os educandários, sistemas educacionais e práticas, consideradas avançadas para o século XIX. O Rev. George Whitehill Chamberlain (1839-1902), educador pioneiro, ordenado pastor pelo Presbitério Rio de Janeiro, em 8 de julho de 1866, fundou em 1870 São Paulo, junto com sua esposa Mary Chamberlain, a Escola Americana, o embrião daquilo que viria a se tornar a Universidade Mackenzie. Uma escola mista (para meninos e meninas, inter-racial, multicultural e com aulas de educação física) era um “escândalo” para uma sociedade escravagista, racista, machista – e a prática de esportes esbarrava no decoro público. 

Em sua correspondência à Junta de Nova Iorque (EUA) para justificar o investimento de recursos para a nova tarefa, Chamberlain registra “o fato de as filhas e filhos de muitos pais brasileiros não evangélicos, pertencentes às correntes republicanas e abolicionistas (grifo nosso), também sofrerem perseguições” (Garcez, Benedito. Mackenzie, Casa Editora Presbiteriana, 1970. p. 32) 

A Junta de Missões da Igreja Presbiteriana dos EUA não somente percebeu a oportunidade, como também determinou que a nova escola deveria “observar o sistema de ensino americano (EUA): escola mista para ambos os sexos; liberdade religiosa, política e racial (grifo nosso). Educação baseada nos princípios da moral cristã, segundo as normas das Santas Escrituras, atendendo ao conceito protestante que exclui da escola a campanha religiosa, limitando-se às questões de moralidade ética, contidas no ensino de Cristo”. 

Em 1897, o “Protestant College” mudou o seu nome para “Mackenzie College at São Paulo”. A mudança foi uma homenagem a John Theron Mackenzie, (1818-1892), advogado e filantropo, o qual por meio de testamento, doou parte de sua herança, à então “Escola Americana” (hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie). Morreu em 17 de setembro de 1892, aos 74 anos de idade e seu testamento dedicava um terço de seus bens à construção de uma escola de engenharia na então Escola Americana, que passou a chamar-se Universidade Presbiteriana Mackenzie.

É desnecessário dizer que não havia campo de trabalho para engenheiros no Brasil na segunda metade do século XIX – a base de nossa economia era, como ainda é, o agro.

Assim, vincular a oferta de vagas de ensino ao mercado, é um erro histórico – que penaliza as futuras gerações. 

Para encerrarmos esse início de debate sobre a visão, missão e tarefa para a Igreja Evangélica no Brasil cabe perguntar: se os presbiterianos do século XIX tivessem uma visão estreita, de uma universidade para poucos ou de uma igreja seletiva (apenas para uma classe), nós estaríamos aqui hoje?  Existiria uma Universidade Mackenzie? Existiria curso de engenharia na universidade plantada em um país exportador de café e açúcar?

O papel de uma Universidade é formar apenas gente para o mercado de trabalho? 

O papel de uma Igreja é apenas influenciar algumas poucas pessoas e lugares exclusivos? 

O que é uma Missão Cristã? 

São perguntas que me surgem quando olho para o passado, quando me entristeço diante do presente e quando creio que o futuro há de levantar uma geração de pregadores e pregadoras que não seja formada apenas para agradar aos interesses da ocasião. 

Lanço então, esta  mensagem, como numa garrafa, a balançar nas ondas desse informar, como um pequeno fio nessa rede. Vamos debater o papel da Universidade e da Educação? Será possível que sou o único a imaginar que escolas e centros universitários devem ser lugares de inovação, transformação e progresso? Seria a Missão da Igreja um fermento para o Mundo?

Se quiser continuar essa conversa, mande um e-mail. Ficarei imensamente grato pela sua opinião e estou aberto para ampliar esse diálogo: [email protected].


Gráfico – Investimento nas Universidades (MEC/Brasil)

Senadores evangélicos abusam das fake news na CPI e são confrontados por senadora evangélica

*Matéria atualizada para acréscimo de informações sobre a trajetória do senador Heinze em 13/06 às 12h28 após acionamento de leitor. Atualizada novamente em 16/06 às 08h30 para correção de filiação do senador Flávio Bolsonaro.

Em cada sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, há uma polarização entre os senadores alinhados com o governo federal e a oposição. Senadores independentes, também, acabam sendo atraídos por essa polarização. De um lado, os aliados do presidente da República Jair Bolsonaro defendem o chamado “tratamento precoce” (com um kit farmacológico), apregoam que o governo federal sempre trabalhou pela compra de vacinas, defendem ministros e ex-ministros e espalham desinformação, tanto para atacar opositores, quanto para defender investigados pela CPI. De outro, acompanhando o relator do processo Senador Renan Calheiros, ou desnudando as falhas e incompetências, opositores do governo e parlamentares independentes polarizam as narrativas – demonstrando, com fontes externas, ou documentos, que houve uma série de erros na condução da pandemia – os quais provocaram um agravamento da contaminação e incremento do número de mortos e sequelados. Bereia verificou, a partir de uma consulta a perfis de mídias sociais, os senadores que se autodeclaram evangélicos, constatando uma polarização idêntica dentro do campo religioso.

Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze:  senadores evangélicos pró-governo abusam das fake news e viralizam nas redes

Dois senadores, ligados a igrejas evangélicas, têm se destacado na linha de defesa do governo federal – Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze

Marcos Rogério da Silva Brito (de Ji-Paraná, Rondônia foi filiado ao PDT (2007-2016) e atualmente é filiado ao DEM. Destacou-se como relator do processo de cassação do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB), no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. É cristão evangélico, pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, mas frequenta, em Brasília, a Igreja Batista Central. Seu perfil na CPI tem sido o de alternar a defesa do tratamento precoce (kit farmacológico defendido pelo governo federal e seus apoiadores) ao lado de uma argumentação que sustenta que estados e municípios são responsáveis pelas mortes. 

Em sua atuação parlamentar, tem reiterado ataques ao governador de São Paulo João Dória e aos parlamentares de oposição ao governo federal, em especial os senadores relator da CPI Renan Calheiros (MDB/AL), o vice-presidente da CPI Randolfe Rodrigues (Rede/AP) e Otto Alencar (PSB/BA, que é médico). Marcos Rogério e Otto Alencar, confrontaram-se na Globo News (Programa Estudio I), em 2 de junho, sobre a convocação de governadores e prefeitos como depoentes na CPI. Na ocasião, Marcos Rogério voltou a defender que o governo repassou verbas para os estados e municípios, sem discriminar que os repasses eram regulares, segundo a lei, e diziam respeito a vários itens além do combate  à covid-19. Também, argumentou que o STF atravessou a atuação do governo (o que já foi verificado pelo Bereia como enganoso). Marcos Rogério foi advertido, ao vivo, por uma das apresentadoras do Estúdio I, de que tinha posturas machistas, interrompendo e elevando a voz diante de colegas senadoras na CPI.  Marcos Rogério lidera o ranking digital de presença nas redes sociais – segundo levantamento da Folha de São Paulo. O senador aparece em listas de disseminadores de fake news e seu comportamento na CPI reforça esta exposição.

Em sua performance mais flagrante, Marcos Rogério levou à CPI vídeos com declarações antigas (de março de 2020) de governadores adversários de Bolsonaro, como João Dória (PSDB-SP), Flávio Dino (PC do B- MA)e Renan Filho (MDB-AL).  Nas imagens, governadores como Flávio Dino, Wellington Dias, Helder Barbalho não falam contra o uso de cloroquina e hidroxicloroquina – remédios sem comprovação de eficácia contra a covid-19. Em expediente muito conhecido e criticado entre evangélicos, Marcos Rogério utilizou a o texto da fala destes líderes políticos fora de contexto, em período em que não se tinha dados sobre os malefícios destas medicações no tratamento da covid-19, como pretexto para defendê-las, acompanhando opresidente, Jair Bolsonaro. O fato omitido pelo senador é que em julho de 2020, quando Bolsonaro “ofereceu” uma caixa de cloroquina às emas do Palácio do Planalto, cientistas e também os governadores já haviam abandonado esta possiblidade – ainda que o tivessem defendido no início da pandemia.

O Democratas, partido de Marcos Rogério, pronunciou-se, oficialmente contra o senador, afirmando que não endossa suas posições. “Desde o início da pandemia, o compromisso do Democratas com a ciência e a preservação da vida se faz evidente em nossas gestões pelo Brasil”, comentou o partido em resposta à jornalista da CNN Daniela Lima (20.mai.2021).

Marcos Rogério também editou uma fala da infectologista Luana Araújo sobre corticoides e retirou a afirmação da médica de que não existe tratamento precoce. Em sua edição omitiu a parte em que a médica diz que corticoide deve ser usado em um momento específico da doença e postou na internet como recomendação e prova de que o tratamento precoce existe e é combatido pelos adversários de Bolsonaro. O perfil do Twitter Desmentindo Bolsonaro disponibiliza a íntegra do vídeo, desmontando a edição de Marcos Rogério.

Luiz Carlos Heinze (PP/RS) é um engenheiro agrônomo, ex-prefeito de São Borja, atualmente senador do Rio Grande do Sul. É cristão evangélico, membro da Igreja Evangélica Luterana. Também é ligado ao agronegócio, definindo-se como “produtor rural”, representante de associações de classe e cotista de empresas, todas ligadas ao segmento arrozeiro, dono da empresa familiar de alimentos Heinze (sem qualquer relação com a marca de alimentos da Kraft Foods, Heinz). Por sua defesa reiterada do governo federal e do presidente da República, a quem define como honesto, tem se destacado na tentativa de construir uma agenda “positiva”. Destaca o número de “recuperados” (vidas salvas) e defende o tratamento farmacológico (kit covid), como ferramenta para a redução de mortes. Ataca o governador de São Paulo João Dória, por ser opositor ao presidente Bolsonaro e, também, destaca os “baixos índices de mortalidade” de cidades que adotaram o protocolo farmacológico do suposto tratamento precoce – ainda que, em sua lista, a maioria dos municípios não ultrapasse 100 mil habitantes.

Em 2 de junho, Luis Carlos Heinze disse que o Amapá adota o tratamento precoce e tem a “menor letalidade do país”. A afirmação provocou reação contundente  de Randolfe Rodrigues, senador pelo Amapá”O senhor está mentindo. Esse dado é falso como todos os dados que o senhor está publicando aqui. Esse dado é fraudado. O senhor está mentindo”, disse o amapaense. Heinze tirou os números de contexto (como faz ao chamar os recuperados da covid-19 de “vidas salvas”). O número citado pelo senador (e também pela médica Nise Yamaguchi, que depôs na CPI) para defender a cloroquina – medicamento utilizado no combate à malária – é um referencial que mede a quantidade de mortes em função da quantidade de pessoas que contraíram a doença. Ou seja, não é possível falar de taxa de letalidade como taxa de mortalidade (índice que mostra o número de mortos em relação à população. A mortalidade é usualmente demonstrada por 100 mil habitantes.A taxa de letalidade não é o indicador ideal para medir os efeitos da pandemia, já que a subnotificação e a falta de testagem podem subdimensionar o resultado. 

Nas mídias sociais, Heinze acabou virando meme por causa das fake news divulgadas em suas intervenções na CPI da Pandemia. Em quase todos os momentos, quando este senador tem a palavra, ele cita termos como Didier Raoult (chamado nas redes de DJ Raul), o município de Rancho Queimado, Big Pharma, entre outros. Há também  um meme em que uma ex-atriz pornô libanesa Mia Khalifa teria sido citada pelo senador.



Em 25 de maio, o nome de Mia Khalifa, que circulou em um meme no início da pandemia, apareceu no topo dos assuntos mais comentados do Twitter, já que boa parte de quem acompanhava a sessão julgou que o senador governista havia cometido uma gafe em seu discurso. O meme com Khalifa – que circulou na internet em 2020, a partir de campanhas, em sites de direita, atacava a pesquisadora Marcela Pereira – que estudava a eficácia do uso de cloroquina – utilizando, ironicamente, fotos da ex-atriz pornô.

Porém, o senador Heinze citou a empresa Surgisphere, que conduziu um teste publicado na revista científica “The Lancet” condenando o uso da cloroquina contra a  covid-19.  Logo após o estudo ser publicado, foi revelado que, entre os funcionários da Surgisphere, trabalhava uma atriz pornô e um escritor de livros de ficção científica”. O artigo sobre a eficácia da cloroquina citado pelo senador durante a CPI foi retratado pelo “The Lancet”, que detectou um erro nos estudos, retirando-o do ar. A empresa Sugesphere fez a auditoria independente depois de críticas de outros pesquisadores. O meme com Heinze foi verificado pela agência Lupa.

A intensa atuação do senador Heinze em defesa do governo federal com o uso de conteúdo falso e enganoso, porém, já provocou uma reação do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) que indicou entrar com uma representação no Conselho de Ética do Senado contra o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), por disseminação de informações falsas na CPI da Pandemia. Heinze, por sua vez, disse ter confiança nos dados que apresenta. O senador continua a disseminar desinformação na CPI da Covid, como relata outra matéria do Bereia.

Eliziane Gama: senadora evangélica polariza com Heinze, Marcos Rogério e questiona o governo federal

A senadora Eliziane Pereira Gama Melo é jornalista e política brasileira filiada ao Cidadania do estado do Maranhão. Membro da Assembleia de Deus, Eliziane Gama passou a participar da CPI da Pandemia por acordo a partir de demanda da Bancada Feminina no Congresso Nacional, uma vez que nenhuma parlamentar mulher havia sido indicada por partidos para integrar a comissão. É fato que a composição dos 11 titulares da CPI apenas com homens, traduz a realidade do congresso (dos 81 senadores, apenas 12 são mulheres). Ela ganhou destaque, logo no início da do processo da CPI, ao ser interrompida em suas intervenções por senadores governistas que não aceitaram o acordo para a participação da Bancada Feminina na CPI. Eliziane Gama tem sido uma voz evangélica em contraponto aos senadores governistas deste grupo religioso. A senadora afirma frequentemente que o governo federal colocou a ideologia acima da ciência e defende mais atenção com as novas cepas.

Em entrevista ao Portal Terra,  Eliziane Gama avaliou, que a CPI já obteve informações comprometedoras para o governo Jair Bolsonaro e embora não seja integrante da comissão (com direito a voto), ela liderou reação à tentativa de aliados do governo de romper o acordo que garantiu às mulheres o direito de se manifestar nas reuniões – tendo, inclusive, confrontado o senador Flávio Bolsonaro (Patriota/RJ), denunciando sua postura “machista”.Em suas entrevistas e atuação, a senadora reitera que já existem indícios de ações criminosas e de falhas no combate à pandemia, por parte do governo federal. “Tentar mudar uma bula é, no meu entendimento, algo criminoso”, disse ela ao Correio Braziliense

Eliziane Gama também se uniu aos senadores da CPI Renan Calheiros, Humberto Costa, Tasso Jereissati e Randolfe Rodrigues, que repudiaram, em 2 de junho,  um ataque verbal do presidente Jair Bolsonaro à jornalista da CNN Daniela Lima. A agressão ocorreu em frente ao Palácio do Alvorada, no dia anterior quando, em conversa com apoiadores, o presidente se referiu à jornalista como “quadrúpede”. O senador Heinze, como representante da ala governista, declarou que esse é o “jeito” do presidente falar. 

O blog da jornalista comentarista da Globo News Ana Flor destaca que Eliziane Gama foi incluída no chamado G7 – grupo de integrantes formado por senadores de oposição e independentes que se contrapõe à bancada governista. Com isso, embora sem ter direito a voto, a senadora tem se destacado por intervenções e pela postura ativa de confronto aos quatro senadores da base governista que se caracterizam pela negação da realidade da pandemia. É dela a declaração que viralizou nas redes, durante o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. “O Senhor já mentiu demais”.

Bereia infere que a CPI divide os evangélicos

Em artigo publicado pelo Coletivo Bereia, as  Assembleias de Deus são um exemplo da polarização em torno da realidade política do Brasil, o que também se pode perceber na CPI da Pandemia. Assim como há dois senadores assembleianos em polarização (Marcos Rogério e Eliziane Gama), é possível perceber pelo que se dá na arena pública, que nas bases políticas e nas comunidades de fiéis ocorre o mesmo fenômeno, pois a representação política não é diferente da realidade nacional.

De acordo com o censo de 2010, as Assembleias de Deus são o maior segmento evangélico, com 12 milhões de fiéis, e o segundo maior do Brasil, atrás da Igreja Católica (dados Censo/IBGE). Ao todo, as Assembleias de Deus têm 64 milhões de membros espalhados no mundo e 363.450 ministros, divididos entre 351.645 igrejas e presentes em 217 países. O Brasil lidera essa lista com 22,5 milhões de membros, de acordo com as estimativas da igreja nos EUA

A cisão entre os representantes evangélicos e os fiéis das igrejas também apareceu nas sondagens de voto do DataFolha. Porém, o mais importante é perceber que mesmo com uma forte campanha de desinformação no meio do segmento, com fake news sobre a China e vacinas que assolaram os sites e redes evangélicas, a CPI demonstra que nem todos os membros das igrejas são permeáveis às redes de desinformação. 

Ou talvez, demonstre, entre as 490 mil famílias que perderam entes queridos pela covid-19, que um percentual considerável dos mortos seja também de membros das igrejas e de seus pastores e pastoras – o que pressiona seus representantes políticos.

Referências: 

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias. Acesso em 09 jun 2021.

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/19/a-cpi-dia-a-dia. Acesso em 09 jun 2021.

Senado,  https://www12.senado.leg.br/verifica. Acesso em 09 jun 2021.

Valor Econômico, https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/05/27/agencia-senado-e-consultores-farao-checagem-de-dados-para-cpi-diz-renan.ghtml.  Acesso em 09 jun 2021.

Valor Econômico, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/27/contra-a-desinformacao-senadores-exaltam-o-trabalho-de-checagem-feito-pela-imprensa-e-redes-sociais. Acesso em 09 jun 2021.

Senado, https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/5718. Acesso em 09 jun 2021.

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/10/22/eliziane-gama-brasil-precisa-de-uma-resposta-consolidada-com-mais-emprego-e-renda. Acesso em 09 jun 2021.

Partido Cidadania, https://cidadania23.org.br/2019/08/09/eliziane-gama-promove-debate-sobre-fe-e-politica-com-teologos-e-parlamentares/ Acesso em 09 jun 2021.

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/10/22/eliziane-gama-brasil-precisa-de-uma-resposta-consolidada-com-mais-emprego-e-renda. Acesso em 09 jun 2021.

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/06/13/eliziane-lembra-os-108-anos-da-igreja-assembleia-de-deus-no-brasil. Acesso em 09 jun 2021.

Portal Terra, https://www.terra.com.br/noticias/nao-queriam-a-voz-das-mulheres-na-cpi-diz-senadora,b011f7042a03d17a017f534db44cf1a20j1o6yho.html. Acesso em 09 jun 2021.

O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/ao-vivo/cpi-da-covid-no-senado/729392. Acesso em 09 jun 2021.

O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bbb-da-cpi-de-capita-a-general-che-guevara-a-penis-inflavel-cloroquina-perde-espaco-na-cpi,70003725973. Acesso em 09 jun 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4923634-cpi-mostra-que-governo-colocou-a-ideologia-acima-da-ciencia-diz-eliziane-gama.html. Acesso em 09 jun 2021.

UOL Vídeos, https://www.uol.com.br/play/videos/noticias/2021/06/02/cpi-da-covid-eliziane-gama-avalia-depoimento-de-luana-araujo-e-falta-de-mulheres–uol-news-noite.htm. Acesso em 09 jun 2021.

Blog da Ana Flor, https://g1.globo.com/economia/blog/ana-flor/post/2021/06/02/cpi-da-covid-grupo-conhecido-como-g7-ganha-integrante-da-bancada-feminina.ghtml. Acesso em 09 jun 2021.

Fronteira Final, https://fronteirafinal.wordpress.com/2011/07/02/assembleia-de-deus-brasil-maior-do-mundo/. Acesso em 09 jun 2021.

Blog do Reinaldo Azevedo, https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-ibge-e-a-religiao-cristaos-sao-86-8-do-brasil-catolicos-caem-para-64-6-evangelicos-ja-sao-22-2/. Acesso em 09 jun 2021.

UOL Notícias, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/05/13/datafolha-bolsonaro-lula-religiao.htm. Acesso em 09 jun 2021.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/empate-de-bolsonaro-e-lula-no-voto-evangelico-e-recado-para-quem-ve-rebanho-em-vez-de-gente.shtml. Acesso em 09 jun 2021.

Programa Estúdio I, GloboNews, https://g1.globo.com/globonews/estudio-i/video/cpi-da-covid-marcos-rogerio-e-otto-alencar-debatem-sobre-convocacao-de-governadores-9555287.ghtml. Acesso em 09 jun 2021.

Estado de Minas, https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/07/23/interna_politica,1169707/bolsonaro-e-as-emas-depois-bicadas-presidente-leva-cloroquina-aves.shtml.  Acesso em 09 jun 2021.

Estado de Minas, https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/07/23/interna_nacional,1169652/estudo-mostra-que-cloroquina-nao-funciona-para-caso-leve-e-moderado-de.shtml.  Acesso em 09 jun 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4925783-dem-diz-que-falas-de-marcos-rogerio-na-cpi-nao-refletem-pensamento-do-partido.html Acesso em 09 jun 2021.

Blog Coronavírus, Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, https://coronavirus.saude.mg.gov.br/blog/81-taxa-de-mortalidade-da-covid-19  Acesso em 09 jun 2021.Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4925614-cpi-da-covid-quem-e-quem-na-comissao-que-investiga-acoes-e-omissoes-do-governo-bolsonaro.html Acesso em 09 jun 2021.

Coletivo Bereia, https://felipematias.com.br/bereia/senador-da-bancada-evangelica-distorce-informacoes-publicadas-em-veiculos-estrangeiros/. Acesso em 11 jun 2021.

Queres ser perfeito… Fecha a tua igreja e segue-me!

Antes de falar sobre o título, vou contar como chegamos aqui. Circula em grupos religiosos, no WhatsApp, um MEME que faz a associação entre COVID-19 e JOSUÉ 1:9. A mensagem diz: “Seja forte e corajoso! Não fique desanimado, nem tenha medo, porque eu, o SENHOR, seu Deus, estarei com você em qualquer lugar para onde você for”.

Problemas exegéticos e teológicos do meme

Em geral, os memes são mensagens curtas, viralizadas em rede. Não são conhecidos por sua profundidade, análise, acurácia, ou qualquer outro valor aplicado a outras formas de comunicação. Não requerem interpretação, nem exigem maiores explicações. Sem pensar, as pessoas os disseminam – como se fossem, de fato, “vírus das mentes”.

Esse é o primeiro problema nesse e em outros memes evangélicos – há problemas exegéticos e teológicos em todos eles. Muitos, como o desse caso, pinçam versículos que são tomados fora de contexto. E “um texto, fora de seu contexto, pode ser pretexto”…

O texto de Josué 1.9 tem se tornado um mantra para um tipo de “evangelho de autoajuda”. Seja forte e corajoso! Vai dar tudo certo! Deus é contigo! É a mensagem geral, associada a este versículo. Porém, se a mensagem do SENHOR se limitasse a um “TAMO JUNTO”, “estou contigo”, como explicar que em Josué 7, os israelitas tenham sido derrotados? Deus mandou Josué para a luta e depois o abandonou? Quando os crentes enfrentam derrotas e crises, o que ocorre?.

A pandemia e as pestes na Bíblia

Uma outra abordagem bíblica exigira um estudo sobre as ”pestes”. Há textos como o Salmo 91, sendo utilizados pelas comunidades evangélicas e cristãs em todo o mundo. Esquecem, os irmãos e irmãs que assim o fazem que o tentador utilizou parte desse Salmo em sua investida contra Jesus (Mateus 4. 6, Lucas 4. 10-11). Cristo venceu o adversário de nossas almas com uma visão completa sobre a Vontade de Deus e as Escrituras. Anote isso: quem cita partes da Bíblia, sem os contextos, tem compromisso com a Verdade?

Além das dez pragas contra o Egito (Êxodo, capítulos 7 a 12), as pestes na Bíblia sempre são associadas ao juízo de Deus (o julgamento contra reis, nações, civilizações e a humanidade). É assim do Gênesis (Gn 12.17) ao Apocalipse (Ap 2.22). Ou seja, há um caráter pedagógico e correcional nas pestes. Logo, qualquer análise sobre a Covid-19 sem levar em conta nossa relação com Deus, com a humanidade e com a Criação, é uma análise parcial e tendenciosa.

Tem alguém aí com medo?

Uma irmã, querida e próxima, perguntou-me, quando fechamos a Igreja, entregando o imóvel alugado, em abril de 2020: “Pastor, o Senhor está com medo?” Eu tinha acabado de perder um amigo, crente e fiel, por causa da Covid-19. Respondi, simplesmente: “não estou com medo, estou triste”. Diante de mais de 180 mil famílias afetadas pelo luto, a pergunta sobre o medo é uma das piores respostas que podemos dar… Pior, a questão da Covid-19 não é uma questão de coragem e fé. Há algo ainda mais profundo…

Nesse momento, ficou claro para mim que as igrejas e os pregadores e pregadoras estão respondendo errado ao problema. Não é uma questão de medo. O “evangelho da autoajuda” nos fragilizou e individualizou tanto que, se estivéssemos nos tempos de Josué, responderíamos à derrota em uma batalha questionando Deus, Josué e a nós mesmos sobre o tamanho de nossa coragem e fé. E você conhece a história de Acã. Não é uma questão de coragem, não é um problema de crenças, é algo maior, não se trata de você, ou de sua vida emocional. Podemos dizer que, como na conquista da Terra Prometida, a Pandemia nos coloca diante do Juízo de Deus, diante de seus padrões éticos. Logo, a verdadeira questão é “estamos sendo pesados na balança”.

Mateus 19.19 – Honra teus pais e ama teu próximo

Em toda a Bíblia, Deus nos mostra que os padrões éticos das Escrituras são cruciais. É assim que Deus julga indivíduos, reinos, nações e civilizações. Há um padrão de justiça social e individual, do qual não podemos escapar. Por isso, para ajudar a memorização, dizemos que a questão da Covid-19, não é respondida por Josué 1.9. Não podemos e nem devemos, porém, nos tornar seletivos, na escolha das passagens que gostamos, ou que nos fazem bem. Deus proferiu Josué 1.9, associando sua promessa aos mandamentos. Como se ELE nos falasse: faz a tua parte, EU farei a minha.

Há várias passagens bíblicas que demonstram os termos de nossa relação com Deus, entrelaçando mandamentos, fé e obras. Entre elas, uma passagem do Evangelho: Mateus 19.19 (vou repetir os números para que você entenda COMO a Covid-19 nos coloca diante de um imperativo ético).

Em Mateus 19.19 um jovem, rico, com alta posição social, dono de muitas propriedades, posses, bens e com reconhecimento social, um cidadão “abençoado”, questiona o Salvador. Voltado para si mesmo, o jovem pergunta: O que “farei EU de bom, para ALCANÇAR a VIDA ETERNA”?

Cristo respondeu àquele jovem rico: Guarda os mandamentos.

O cuidado de si, o cuidado do próximo, a honra devida aos idosos (pais, mães, avós, bisavós) é algo que está nos mandamentos. A Pandemia nos coloca à prova justamente neste ponto: como temos cuidado da criação? Como cuidamos do próximo? Qual a prova que Deus está nos dando?

Cristãos de hoje, tão soberbos e egoístas quanto aquele jovem rico são confrontados com a Palavra de Jesus: ó Crente, desapega, acumula tesouros nos céus, cuida do próximo e segue-me.

Em outras palavras: fecha a tua igreja, cuida das pessoas, tira o foco da economia e prosperidade.

Estamos sendo provados.

Onde está a caridade cristã?

Como temos honrado nossos pais?

Quais são os nossos valores?

Temos acumulado tesouros nos céus?

São as perguntas que nos ocorrem, para avaliarmos a nossa resposta cristã à Pandemia.

Não é sobre você (e sua fé) que se trata. Mas de como você cuida dos vulneráveis e se você ama o seu próximo…

Eleitores evangélicos viram público-alvo de fake news na campanha pelo segundo turno das eleições municipais

São quatro as campanhas eleitorais para prefeituras consideradas as mais sujas do Brasil, no tocante à disseminação de desinformação e calúnia contra concorrentes. O Coletivo Bereia teve acesso a materiais impressos e digitais de contracampanha para prefeituras do Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife e São Gonçalo, e identificou conteúdos muito semelhantes, com alertas de pânico moral, acusações e mentiras, especialmente contra de candidatos de partidos de esquerda com chances de vitória. Além da disseminação de desinformação, com linguagem religiosa voltada a eleitores evangélicos, a quase totalidade tem autoria desfocada ou era anônima, o que configura crime eleitoral.

Os ataques de contrapropaganda, visando associar candidatos às prefeituras dessas cidades a perseguição religiosa e a perversão moral, foram repetidos pelo presidente da República no Facebook, na transmissão ao vivo que faz semanalmente, em 26 de novembro.

Os apelos do presidente da República

Na transmissão, Jair Bolsonaro (sem partido) repetiu conteúdo da campanha difamatória contra o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em favor do candidato a reeleição no Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos). A campanha ataca o PSOL para atingir o concorrente de Crivella, Eduardo Paes (DEM). Depois de ser derrotado no primeiro turno das eleições, o PSOL não declarou apoio em Eduardo Paes, mas conclamou seus partidários a derrotarem Crivella nas urnas no segundo turno. O partido foi mais bem sucedido em São Paulo, com a candidatura de Guilherme Boulos que disputou o segundo turno com Bruno Covas (PSDB). Bereia publicou matéria sobre as fake news contra o PSOL proferidas por Marcelo Crivella o início do segundo turno.

Bolsonaro estava acompanhado na transmissão ao vivo pelo pastor evangélico ministro da Educação, Milton Ribeiro. Foram feitas várias afirmações contra a política de educação dos governos anteriores e contra o fechamento das escolas durante a pandemia. Ele desafiou que alguém provasse que tenha chamado a COVID-19 de gripezinha. A doença atingiu mais de 6 milhões de brasileiros e já matou mais de 171 mil – entre os quais um senador da República, o integrante da bancada evangélica Arolde de Oliveira (DEM-RJ), apoiador de Bolsonaro e crítico das medidas de contenção. Esta mentira proferida pelo presidente repercutiu fortemente nas mídias noticiosas, uma vez que um dos usos do termo “gripezinha” por Bolsonaro ocorreu em março passado, em pronunciamento oficial.

No final da transmissão de 26 de novembro, o presidente da República repetiu as mentiras da campanha eleitoral de Marcelo Crivella, que levaram a Justiça Eleitoral a retirar do ar o vídeo de divulgação desse conteúdo e concedeu direito de resposta ao PSOL no Facebook do candidato:

Domingo eu vou no Rio de Janeiro, está previsto vou votar. O pessoal já sabe em quem eu vou votar. Fiz campanha pro Marcelo Crivella. Não me interessa pesquisa. Nunca acreditei em pesquisa. E quem vai pro segundo turno, boa sorte. Uma boa decisão. E leva em conta, sim, o partido, a qual esse candidato no segundo turno pertence. O que esse partido defende, sempre defendeu . Ideologia de gênero, desgaste dos valores familiares, ignorando educação, um montão de coisa. Veja o que esses partidos defenderam, e você então não votar nesses candidatos a prefeitos, desses partidos. Vocês sabem é PT, PC do b, PSOL, PDT entre outros ali. Esse é o apelo que eu faço, porque o futuro do teu filho vai passar pelas mãos desse prefeito. Esse prefeito vai decidir se a escola vai tá fechada, ou não. E o que em parte vai ser ensinado em sala de aula. O quê ele vai defender. O que, muitas vezes, esse candidato a prefeito prometeu a um partido coligado a ele. Por exemplo, vamos supor, no Rio de Janeiro o candidato a prefeito lá, prometeu ao Psol a secretaria da educação. Se esse cara ganhar, não reclame do lixo que teu filho vai ter, quando chegar em sala de aula”.

Jair Bolsonaro

Bereia já havia produzido verificação sobre estas mentiras, em matéria de 20 de novembro.

Bereia ouviu o advogado Gabriel Antunes, que fez o alerta de que os eleitores ou candidatos que veicularem, ou repassarem este tipo de propaganda, em tese, podem ser responsabilizados perante a Lei Eleitoral. De acordo com o disposto na Lei 13.834, de 4 de junho de 2019, os perfis de mídias sociais e os usuários poderão ser enquadrados no crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. São considerados agravantes, o anonimato e aquele que divulga “incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado, e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído”. A aplicação dessa pena, ou mesmo indiciamento, porém, ainda não está clara. Todavia, o alerta é: se há lei, está tipificado o crime.

O curioso ataque em São Gonçalo

O presidente Jair Bolsonaro também declarou curioso apoio a uma candidatura de cidade com pouco destaque no quadro político nacional, São Gonçalo, da região do Grande Rio.

Foto: Reprodução/Facebook

O capitão Nelson, candidato do Avante a prefeito em São Gonçalo, agradeceu ao presidente Bolsonaro pelo apoio nos segundo turno e fez circular o vídeo que lhe é favorável. O adversário de Nelson é Dimas Gadelha, do PT, cuja vitória no primeiro turno reforça tendência de consolidação de um “cinturão da esquerda” na região metropolitana do Rio, o que pode explicar a investida do presidente.

Pesquisa do Instituto Inteligence Serviços, entre 23 e 24 de novembro, apontava em Dimas Gadelha (PT) com 61% das intenções de voto e o Capitão Nelson (Avante) tem 39%.

A campanha pró-Nelson usa o mesmo argumento de pânico moral pró-Crivella, de que PT, PSOL e a esquerda são contra a família, a favor da “ideologia de gênero” e da erotização de crianças nas escolas. Uma das mentiras propagadas era a de que o candidato adversário iria instalar banheiros unissex nas escolas da cidade. O boato foi desmentido pelo site Boatos.org.

São Gonçalo já teve uma prefeita evangélica, Aparecida Panisset (PDT), de 2005 a 2012. Ela foi denunciada pelo Ministério Público por repasses de verbas à duas igrejas evangélicas em um convênio de 600 mil reais. Além da pauta de costumes, comum aos evangélicos, Aparecida Panisset também promovia “guerras espirituais” contra as religiões e monumentos de matriz africana. Desde Panisset, a força do eleitorado evangélico é disputada por todos os candidatos em São Gonçalo.

Em estratégia para enfrentar os ataques do Capitão Nelson, Dimas Gadelha acabou assinando uma carta em que nega apoiar as pautas relacionadas à perversão moral de que foi acusado, como trata análise publicada na seção Areópago do Coletivo Bereia.

O ataque a Marília Arraes em Recife

Foto: Autoria desconhecida/Reprodução/Época

As acusações contra Marília Arraes (PT) no segundo turno em Recife, seguem os mesmos temas de pânico moral e, também, a mesma estética dos demais folhetos espalhados entre eleitores cristãos no Rio e em Fortaleza.

Os folhetos (atribuídos à coligação de João Campos) acusavam Marília Arraes, ainda, de ser contra a presença e a leitura da Bíblia nas escolas. O projeto Comprova, com a colaboração do Coletivo Bereia, checou as alegações e concluiu que as acusações distorceram as falas da candidata com objetivos eleitorais.

O ataque a João Sarto, em Fortaleza, mesmo ele sendo evangélico

O candidato ao segundo turno de Fortaleza João Sarto (PDT) é evangélico, mas isto não foi suficiente para livrá-lo dos ataques que apelam à fiéis do segmento a não votarem nele, favorecendo o concorrente, o Capitão Wagner (PROS).

O mesmo tipo de material impresso, sem autoria, foi distribuído em Fortaleza nos últimos dias.

Foto: Autoria desconhecida

O Coletivo Bereia produziu matéria com a verificação deste conteúdo classificado como falso.

O Coletivo Bereia chama a atenção para a análise publicada no Observatório das Eleições, do UOL, que constatou que as campanhas de desinformação buscaram mobilizar grupos de eleitores conservadores contra os líderes em intenção de voto da esquerda, em uma reação às derrotas do primeiro turno e ao encolhimento das bancadas conservadoras para Câmaras Municipais em várias cidades. A estratégia de voltar às pautas morais exploradas na campanha eleitoral de 2018 é uma tentativa de repetir os êxitos e surpresas daquele ano. Somente após a divulgação dos resultados será possível avaliar se a estratégia alcançou resultado.

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Foto de Capa: Desconhecido/Reproduzido por Época

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Referências

Youtube, https://www.youtube.com/watch?v=UqEQfL6il8M. Acesso em 28 nov. 2020.

Coletivo Bereia, https://felipematias.com.br/bereia/marcelo-crivella-e-deputado-federal-apoiador-proferem-mentiras-na-campanha-para-prefeitura-do-rio/. Acesso em 28 nov. 2020.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/11/bolsonaro-nega-que-chamou-covid-19-de-gripezinha-apos-ter-usado-o-termo-em-pronunciamento-oficial.shtml. Acesso em: 28 nov. 2020.

Estado de Minas, https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/11/11/interna_politica,1203769/justica-tira-do-ar-propaganda-de-crivella-por-exposicao-excessiva-de-b.shtml. Acesso em: 28 nov. 2020.

G1, https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/eleicoes/2020/noticia/2020/11/27/justica-concede-direito-de-resposta-ao-psol-apos-crivella-dizer-que-paes-levaria-pedofilia-para-escolas-com-apoio-do-partido.ghtml. Acesso em: 28 nov. 2020.

O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2020/pt-pdt-buscam-consolidar-cinturao-de-esquerda-na-regiao-metropolitana-do-rio-24760393. Acesso em: 28 nov. 2020.

O São Gonçalo, https://www.osaogoncalo.com.br/politica/90732/dimas-gadelha-pt-vence-por-61-contra-39-de-capitao-nelson-em-votos-validos-aponta-pesquisa. Acesso em: 28 nov. 2020.

Boatos, https://www.boatos.org/politica/dimas-gadelha-banheiro-unissex-escolas-sao-goncalo.html. Acesso em: 28 nov. 2020.

Coletivo Bereia, https://felipematias.com.br/bereia/para-fugir-de-estigma-candidato-de-esquerda-embarca-em-fake-news/. Acesso em: 28 nov. 2020.

Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/panfletos-distorcem-frase-de-marilia-arraes-sobre-a-biblia/. Acesso em: 28 nov. 2020.

Coletivo Bereia, https://felipematias.com.br/bereia/folheto-contra-o-candidato-sarto-pdt-ce-tem-conteudo-falso/. Acesso em: 28 nov. 2020.

UOL, https://noticias.uol.com.br/colunas/observatorio-das-eleicoes/2020/11/26/campanhas-de-desinformacao-mobilizam-conservadores-contra-lideres-em-votos.htm. Acesso em: 28 nov. 2020.

Saiba como enfrentar a disseminação de desinformação na reta final do segundo turno das eleições

A poucos dias do segundo turno das Eleições Majoritárias para prefeito e vice no Brasil, a disseminação de material falso em mídias digitais de cristãos aumenta vertiginosamente. Bereia montou uma força-tarefa para verificar conteúdos e instruir os leitores a analisar criticamente os conteúdos que recebem.

Ganhou destaque essa semana a avalanche de fake news e propagandas negativas (propagandas contra candidatos) visando fins eleitorais. Em 57 municípios do Brasil haverá segundo turno e a disputa eleitoral incentiva uma panfletagem específica, direcionada contra alguns e em favor de outros. Durante a campanha, em 5.567 municípios, voltaram a circular boatos, acusações e “fake news” que já circularam na eleição de 2018, com objetivos eleitoreiros. O volume foi tão grande que o TSE criou um chatbot (um serviço automático de mensagens, com o endereço http://wa.me/556196371078) para desfazer boatos e criou a campanha com a hashtag #EuVotoSemFake com o mote: “se for fake news, não transmita”.

Como acontece em outras notícias falsas, os autores e aqueles que as repassam pedem para não serem identificados, para dificultar a apuração dos responsáveis pelos crimes eleitorais. Por isso, desconfie de notícias alarmistas, de suposta perseguição religiosa, vinculadas a uma suposta ideologia de gênero, ou “contra a Bíblia”.

Bereia recebeu folhetos de leitores com campanha difamatória e os tons alarmistas sem autor identificado – ou então com a autoria da peça ilegível. Por que isso acontece? Porque os verdadeiros autores sabem que se trata de um crime eleitoral – e passam adiante a responsabilidade, tentando dificultar o rastreamento de sua autoria.

Os eleitores deverão retornar às urnas no próximo dia 29 de novembro para escolha final do próximo prefeito ou prefeita das cidades. É importante tomar cuidado com as falsas acusações.

Fique atento! Há muita campanha no segundo turno fazendo uso de material falso não apenas para apoiar candidatos mas também para destruir a reputação de candidatos opostos.

Lembre-se que isto já ocorreu em 2018 e é objeto de investigação no STF, na Polícia Federal. E em comissão parlamentar mista de inquérito no congresso. No Rio de Janeiro, Espírito Santo, Recife e Fortaleza, Bereia recebeu material que busca manipular a população religiosa contra adversários políticos de alguns candidatos. A estratégia, como em 2018, é de pânico moral e terrorismo verbal para convencer pessoas pelo medo.

Mais uma vez, pela falta de provas e autoria duvidosa, Bereia verifica que quem cria o material busca fazer de quem o repassa cúmplice de um crime eleitoral e de uma campanha difamatória.

Seja prudente e fique alerta. Se você receber algum conteúdo alarmista e tem dúvidas se é falso ou verdadeiro, envie por e-mail para [email protected] ou entre em contato pelo nosso WhatsApp – (38) 98418-6691 ou clique aqui e envie o seu conteúdo.

Confira gravação abaixo para o Jornal Brasil Hoje, da Rede Católica de Rádio (RCR), que vai ao ar esta semana:

Igreja e (IR)responsabilidade social – os paradoxos da pandemia de 2020

Paradoxos de Origem

Rubem Alves sintetizou no livro “Protestantismo e Repressão” (1979) o paradoxo das igrejas evangélicas brasileiras. Um paradoxo de formação, revisitado na pandemia de 2020.  

Nós, evangélicos/as, temos uma moeda de duas faces: ao mesmo tempo, pregamos uma mensagem de amor ao próximo e de individualismo sectário. E não é só um conflito entre fé e vida. Os fundadores das igrejas cultivaram forças modernizadoras, libertadoras e comunitárias e, simultaneamente, incentivaram padrões individualistas, desencarnados, quanto aos costumes. Não desenvolvemos uma ética da liberdade, solidariedade e comunidade. Em nome de uma salvação individual, dinamitamos pontes e cortamos laços.

Isso pode mudar?

Balança Enganosa

Em primeiro lugar, para mudar, precisamos enxergar essa balança enganosa, sempre pendendo para os interesses pessoais, imobilizando colheitas e fazendo secar sementes da transformação… Há muitos exemplos de tensão entre a responsabilidade social e sectarismos na história.

Secaram e murcharam instituições que reuniam as muitas denominações e missões brasileiras para uma ação social. Sucumbiram a Liga Evangélica (1890), a Aliança Evangélica (1902), a Confederação Evangélica do Brasil (CEB, 1934) e a Associação Evangélica Brasileira (1991). Restaram o CONIC (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, membro do Conselho Mundial de Igrejas) e a Aliança Cristã Evangélica Brasileira (membro da World Evangelical Alliance). A lição histórica é escandalosa: mesmo perante crises, epidemias ou conflitos mundiais, somos incapazes de unir forças. Sectarismos são egoísmos aumentados.

“Social Branding”

Sintomaticamente, o tema da “Responsabilidade Social” – nome de um dos setores da Confederação Evangélica do Brasil – é, para os sectários, o assunto mais espinhoso. São duas palavras enormes, que se tornam explosivas quando faladas no ambiente eclesiástico. E só lá.

Até empresas, imersas na concorrência comercial, têm setores de Responsabilidade Social. Publicitários apelam ao conceito para ganhar simpatia – isto é, como estratégia de marketing. Como exemplo, nestes tempos de Pandemia, empresas de telefonia e streaming media liberaram acessos gratuitos. A Burger King está doando receitas para a saúde. Porém, as igrejas têm alergia ao binômio: “responsabilidade social”.

Imagine, porém, se as igrejas suprissem as necessidades dos moradores de rua? Ou se fizessem uma arrecadação para o SUS? Assustou-se?  Essa era a prática dos cristãos do passado.

Em nossos dias, a balança da Responsabilidade Social desequilibra-se sob a mão pesada do sectarismo, do egocentrismo, do consumismo, da prosperidade econômica e da lógica de mercado.  Posturas irresponsáveis como as de Malafaia e Macedo afetam não apenas seu rebanho, precarizado, socialmente vulnerável e passível de enfermidades, elas mancham a Cruz e o Evangelho.

Em resumo, a igreja peca socialmente pelo que faz, mas também pelo que deixa de fazer. Erra no atacado e no varejo, peca no “Social Branding” (e até o Google é mais bem quisto por fazê-lo).

“TRISTEMUNHO”

Ao invés de ganhar simpatia, as lideranças que desafiam a quarentena e insultam as autoridades sinalizam às comunidades e aos vizinhos que não se importam devidamente com a saúde coletiva.

Médicos cristãos sofrem duas vezes por isso. O Dr. Wilson Bonfim, médico e cristão, utilizou suas redes sociais para orientar as pessoas, mas os comentários dos seus irmãos/ãs evangélicos/as, disponíveis em sua página do facebook, são um “tristemunho” (mau testemunho). Lembre-se porém, ao ler, que a fé, sem obras, é morta. Uma fé viva é socialmente responsável.

Tal fé moveu, em 1864, Jean-Henri Dunant, calvinista. Ele convenceu católicos e protestantes a adotarem a primeira Convenção de Genebra, obrigando exércitos a cuidarem dos feridos, independente do uniforme. Graças a Dunant, o emblema padronizado foi a Cruz Vermelha. Mas, agora, filantropia e saúde desligam-se cada vez mais da Cruz. Na Coréia do Sul, uma mega igreja foi a grande responsável pela expansão da pandemia. No Brasil, em 2020, líderes utilizam o discurso da fé contra a saúde. Silas Malafaia e Edir Macedo, por exemplo, destacaram-se em suas posturas diante das quarentenas, insistindo em manter cultos e reuniões.

Seria louvável, socialmente responsável, se mantivessem templos abertos para tratamento ou cuidado dos enfermos. Infelizmente não é. Para piorar, o discurso dos cristãos evangélicos nas redes sociais oscila entre o “destemor” e a defesa de que a pandemia faz parte de uma conspiração “comunista de origem chinesa”. A xenofobia apelidou a COVID-19 de “chinavírus”. Enquanto isso, médicos chineses são aplaudidos ao chegarem na Itália, e a OMS (Organização Mundial de Saúde) lembra que vírus e vacinas não têm bandeira ou partido político. Um dia, esse foi o discurso da Igreja de Cristo.

COMO OS PAGÃOS?

O contraste com as origens cristãs foi notado por Moses Lee (do site Coalizão pelo Evangelho) que recordou a solidariedade dos primeiros cristãos com os doentes e o cuidado com a coletividade como marcas sociais dos primeiros cristãos. Lee relembra que com o risco da própria vida, os “santos”, ofereciam apoio aos vizinhos e, no limite, iam a locais que estavam sendo evitados.

Hoje, ao desafiar as quarentenas para abrir suas igrejas para cultos egocêntricos e incentivar práticas de irresponsabilidade social, os evangélicos não estão cuidando do próximo. E, ainda por cima, passam a mensagem de que estão mais preocupados consigo mesmos, como os antigos sacerdotes dos templos pagãos. Cheios de pompa e riqueza, seguiam celebrando aos seus deuses nos tempos da peste. Atualmente, os ícones do sacrifício são cientistas, pesquisadores, médicos, enfermeiros e profissionais de saúde.

Ou seja, se a história mantiver o seu ritmo, o que é certo, os templos ficarão vazios e os consultórios lotados. Não é apenas um conflito entre a vacina e a prece.  A Covid-19 (doença causada pelo coronavírus) é mais do que um conflito entre fé e ciência, é um conflito ético, entre posturas coletivas e individualistas.

O que podemos fazer?

  • Auxiliar nossos vizinhos que têm dificuldade de locomoção, ou avançada idade;
  • Manter os vínculos comunitários, através das redes sociais e telefone;
  • Doar sangue – porque os doentes continuam precisando disso (vá ao hemocentro);
  • Oferecer suporte e cestas de alimentos e recursos para os mais pobres;
  • Orar pelas autoridades, pesquisadores, cientistas e profissionais de saúde;
  • Combater o preconceito, a xenofobia e as fake news;
  • Ver um filme: “Até o Último Homem”(2016). Veja e entenda que se sua oração não tem ação social, você está deixando pessoas feridas e enfermas pelo caminho…

EM TEMPO 1 (Atualizado em 19/03/2020)

Recebemos, com alegria, as informações e testemunhos de que algumas Igrejas estão distribuindo cestas básicas, que comunidades estão dando apoio a asilos de idosos e que grupos de jovens cristãos estão organizando doações para os bancos de sangue. Que Deus os(as) abençoe. Sejamos sal e luz!

EM TEMPO 2 – Segundo a BBC e o Jornal New York Times, Lee Man-Hee, líder da Shincheonji Churh of Jesus ajoelhou-se e pediu perdão pela sua postura durante da Pandemia, na Coréia do Sul. Em média, 60% dos casos confirmados no país são dos fiéis de sua denominação. Soube-se disso porque a Coréia do Sul fez testes em massa. Pastores coreanos de outras denominações criticaram a Shincheonji Church.

No Brasil, depois de ter dito que “governador algum fecha meu culto”, Silas Malafaia postou em suas redes sociais o aviso: “Atenção, pastores! Qualquer estado ou cidade que decreta estado de emergência, independente se tem ônibus circulando ou não, tem que parar o culto”… Em 20/03, Malafaia anunciou que vai suspender cultos, a conferir…

EM TEMPO 3 – Oremos pelos profissionais de saúde e também pelos jornalistas. Todos estão sobrecarregados. Muitos, dobrando escala.

Fonte imagem: kindpng.com

As Campanhas de Damares fazem mal à saúde?

Damares Alves, Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) , é a segunda pessoa mais popular do Governo Bolsonaro, só perde para o Ministro Sérgio Moro. A popularidade de Damares é a face “terrivelmente evangélica” do governo. Mulher e evangélica, a pastora tem uma forte presença simbólica.

Nos primeiros meses de 2020, com o anúncio de que o MMFDH faria enfrentamento da gravidez precoce (ou gravidez na adolescência) por meio de uma bandeira ligada à pauta de costume, isto é, uma propaganda da “preservação”/“abstinência” sexual, em pleno mês de fevereiro, tempo de Carnaval, provocou vários debates, inclusive sobre o “celibato voluntário”.

O programa de “preservação sexual”, que tem sido chamado pela imprensa de “abstinência sexual”, tem desdobramentos para além do MMFDH, afeta o programa de saúde da família, as políticas do Ministério da Saúde (material de educação sexual, DSTs e vacinação contra HPV) e, finalmente, desdobramentos e interlocuções com o Ministério da Educação por meio do FNDE, especialmente em relação ao material de educação sexual  do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Ou seja, ao defender a iniciativa, a ministra Damares não está  fazendo campanha religiosa, como tem sido repetido, mas está claramente ampliando sua influência dentro do governo.

Em entrevista recente, a ministra defendeu a abstinência sexual como nova orientação de política pública do governo federal para combater a gravidez precoce na adolescência e as infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) – orientar jovens, nas escolas brasileiras, a não fazer sexo. Veja o vídeo aqui.

Damares ampliou suas alianças políticas e também conseguiu chamar a atenção de dois grupos altamente organizados na Internet: cientistas/ médicos (que questionam a eficácia do método) e “incels”/”spamers” (celibatários involuntários e propagandistas de whatsapp). 

Os cientistas questionam a falta de dados comprobatórios de que os programas de abstinência sejam  eficazes, enquanto os “incels” tomaram de assalto as redes sociais associando “depravação sexual e promiscuidade” com a “esquerda progressista”. Assim,  partidos de esquerda foram associados com posturas liberais e libertárias. O que há de verdade nessa campanha toda? E quem ganha com isso?

Areópago já falou da campanha pela abstinência e da realidade das adolescentes

Em dezembro de 2019, Bereia publicou o artigo de Valéria Vilhena sobre a gravidez precoce. “Mais do que um problema moral, ou de “preservação sexual”, o problema inclui uma parcela da população (mães adolescentes) que vivem em risco social’, afirma Vilhena.

Médicos contra Damares: Por quê?

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) considera adolescente aquele ou aquela que tem entre 10 e 20 anos. O Brasil teve queda nas taxas de gravidez de jovens na última década, mas está bem acima dos demais países da América Latina. Os médicos da SBP já se manifestaram contra a proposta de “abstinência” ou “preservação”, sendo claramente contrários à proposta da ministra.

O documento elaborado pela SBP em oposição à ministra está disponível para leitura e sugere que a imposição (ou sugestão aos adolescentes) não funciona, textualmente: “A SBP reitera o posicionamento da Sociedade Americana de Medicina do Adolescente que aponta para as falhas científicas e éticas da abordagem “abstinence only “, deixando à margem adolescentes sexualmente ativos, aqueles que já são pais, os que não se consideram heterossexuais e as vítimas de abuso sexual. Adicionalmente, compreende-se que a abstinência das relações sexuais pode ser uma escolha saudável para os adolescentes desde que seja uma decisão pessoal deles e não uma imposição ou única opção oferecida, respeitando seu direito à autonomia”.

Celibatários de todo mundo, uni-vos

Os celibatários (incels) são público-alvo das campanhas de desinformação (fakenews), estratégia desenhada por Steve Bannon  e pela Cambridge Analytica . Por quê? Porque os celibatários “involuntários” (incels) são os jovens ressentidos que não conseguem namoradas e defendem que o comportamento sexual das mulheres progressistas é a principal causa de sua solidão.  A linguagem agressiva com sinais de desequilíbrio psicológicos, associados a episódios de massacres e culto das armas de fogo, fazem desse grupo uma das maiores preocupações da área de segurança. Conforme documentários recentes, o “ódio que os incels têm dos sexualmente ativos” e sua defesa de uma abstinência imposta por autoridades (escolas, governos, grupos)  fazem da proposta da ministra uma mistura explosiva, que sugere mais desdobramentos negativos do que positivos por parte de uma política pública.

Não se trata apenas de uma campanha cientificamente questionável, mas de uma campanha que pode acirrar ainda mais os ambientes escolares. E é preciso lembrar que o Brasil passou a viver a realidade estadounidense de massacres escolares justamente por causa do crescimento desses grupos. Empoderar o discurso dos celibatários é um dos efeitos colaterais desse programa!?

Cientistas alertam – educação sexual é saída

O argumento da “abstinência”, denominado “preservação sexual” pelo MMFDH, tem sido contestado com base em pesquisas sociais. Para cientistas e médicos o método mais eficaz contra a gravidez é a “educação sexual”, ou as políticas de “sexo seguro”, bem como estratégias de redução das estatísticas de DSTs e gravidez adolescente. Nota-se também, no cenário atual, que a campanha pela “preservação” esbarra em um fato: como falar em preservação com aqueles que já são ativos?

Justamente, por isso, há grandes reações ao programa de Damares no Ministério da Saúde.  Além da idade (razão de uma discordância pública), também está em questão o cronograma de vacinação contra o HPV.

Uma visão distorcida do movimento americano – “Eu escolhi esperar”

Nos Estados Unidos, o movimento “Eu escolhi esperar” é interdenominacional (o que significa que não tem relações com igrejas) e não-governamental (isto é, não aceita e nem tem patrocínios ou líderes políticos).  É protagonizado por jovens youtubers, bandas de música com apostas em ações diretas, em eventos de massa. É parte da cultura religiosa norte-americana manter movimentos que desconfiam das igrejas organizadas e dos governos.

No Brasil,  o movimento de “abstinência sexual” foi introduzido por líderes de várias igrejas e é liderado por pastores. O Pr. Nelson Junior do Ministério Eu Escolhi Esperar da Igreja Batista da Lagoinha, a mesma que a ministra Damares faz parte, é uma das referências. Funcionaria um programa voltado para jovens com inspiração eclesial e governamental? Não seria melhor organizar comitês com os jovens?   

Quem? Como? Quanto?

Pesa sobre a campanha, por último, uma dúvida. Quem produzirá o material? Para ser distribuído ainda em 2020, nas escolas, o material teria que passar pelo edital do PNLD (programa nacional do livro didático) e pelos diversos editais do Ministério da Saúde. Conforme o cronograma, os textos e campanhas teriam que ter sido produzidos em 2018 e passar pelo processo de seleção pública – a não ser que se pretenda adotar algo que já esteja pronto, ou que tenha sido produzido em outro contexto.

O Ministério da Saúde ainda não esclareceu quando e como irá implementar a política de incentivo à abstinência sexual. Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza nove métodos contraceptivos, incluindo diferentes tipos de anticoncepcional injetável, pílula (incluindo a do dia seguinte), diafragma, DIU e preservativo. Também há campanha e vacinação ativa contra HPV (para meninas e meninos adolescentes).

O Ministério da Educação já divulgou edital e lista de editoras de material que vai ser distribuído para crianças e adolescentes em todo o Brasil. Serão gastos R$ 862.222.089,49 com livros de diversas editoras, segundo a Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (ABRELIVROS).  No Edital do PNLD foram excluídas algumas exigências, como a de que livros didáticos promovam positivamente a cultura quilombola e os povos do campo (p. 39). Foi mantida a exigência de que as obras promovam positivamente a imagem da mulher, mas foi eliminado um trecho requerendo atenção “com a agenda de não violência contra a mulher” (p. 39). Finalmente, as ilustrações não precisam mais retratar a diversidade étnica da população brasileira, a pluralidade social e cultural do país (p. 41).

Existe risco?

O MMFDH manteve a promessa de lançar a campanha pela abstinência sexual a partir de fevereiro de 2020. Dia 23/01/2020 a ministra usou sua página em uma rede social para se posicionar diante da enxurrada de críticas diante da iniciativa de pregar a abstinência sexual.

“Pais e responsáveis por cuidar de adolescentes, digam-me qual é o mal de conversar com um menino ou menina, a partir dos 12 anos, e dizer que talvez ainda não esteja maduro o suficiente para começar a ter relações sexuais? Que grande risco isso pode trazer?”

Há várias respostas para a pergunta da Ministra. Vários riscos, inclusive, de gestão do dinheiro público, já escasso na saúde e educação.

Respeitando as Regras?

A ABRE alertou seus filiados (e as editoras que participaram do último edital) para o risco quanto ao novo decreto do MEC, que permite ao ministério produzir seu próprio material. Além de promover uma insegurança no setor, o decreto abre brechas para a confecção de novos conteúdos, incluindo aqueles que interessam o MMFDH. Ou seja, as regras de produção e difusão do material didático e das campanhas teriam sido burladas?

As Defensorias Públicas da União e do Estado de São Paulo  recomendaram ao governo não veicular a campanha de Damares, e citam estudos realizados nos EUA, em especial  da Society for Adolescent Health and Medicine, concluindo que a medida não promoveu mudanças positivas na vida sexual dos jovens, não impediu a gravidez na adolescência e nem diminuiu a propagação de infecções sexualmente transmissíveis.

Quanto ao aspecto legal, as Defensorias manifestaram preocupações com a alteração das formulações de políticas públicas, especialmente quanto à necessidade de promover audiências públicas sobre o tema. As defensorias também solicitaram aos ministérios que apresentem o custo total de produção e divulgação da campanha e o valor que isso representa proporcionalmente em relação ao que foi gasto no ano de 2019.

A Lei de Acesso à Informação (LAI) promulgada há mais de sete anos prevê o acesso às informações públicas, especialmente nas questões orçamentárias. Isto foi previsto na Constituição Federal, em especial nos capítulos que tratam dos direitos e deveres individuais e coletivos, dos princípios que regem a administração pública, bem como da gestão da documentação governamental, além de aumentar a eficiência do Poder Público, diminuir os desvios de conduta e ampliar a participação popular. Isto é, as Defensorias, Controladorias e até cidadãos podem cobrar dos ministérios que prestem contas e forneçam informações sobre custo, distribuição e construção das campanhas.

E não adianta esconder dados, pois quem quer moralidade pública precisa respeitar as regras.

Vale a pena esperar transparência por parte dos governos? Se achamos que SIM, devemos cobrar lisura, rigor, estudos, regras e orçamentos claros.