É impreciso que Xuxa lançará livro sobre homoafetividade para público infantil

O site Pleno News publicou, em 22 de julho de 2020, a matéria “Xuxa é criticada ao anunciar livro LGBT para crianças”.

Pleno News afirma que a apresentadora se tornou centro de polêmica ao anunciar em live que pretende lançar um livro com conteúdo LGBT para o público infantil. A obra a ser lançada pela Editora Globo seria baseada na história de uma personagem chamada Maia. A garota seria uma menina arco-íris, que tem duas mães, afilhada da personagem de Meneghel.

De acordo com o Pleno News, o conteúdo pretende pautar o assunto de forma lúdica. Segundo Xuxa, sua intenção ao fazer o livro foi refletir sobre o preconceito, a discriminação e o julgamento social perante as escolhas, condições ou vontades das pessoas. “Aí eu tentei colocar de uma maneira lúdica, bonita. Para que as crianças possam entender que o amor é mais importante do que qualquer coisa”.

Pleno News se refere a críticas de conservadores a Xuxa sobre o caso e publicou uma, do vereador do Rio de Janeiro Alexandre Isquierdo (DEM), partido do proprietário do portal de notícias, Senador Arolde de Oliveira. Isquierdo classifica a ação da apresentadora como “ridícula” e “absurda” e se diz preocupado com a “doutrinação de crianças”.

Sobre a apresentadora

Maria da Graça Meneghel, nasceu em 27 de março de 1963 na cidade de Santa Rosa, Rio Grande do Sul, onde morou até os 7 anos, quando se mudou com a família para o Rio de Janeiro. Aos 16 anos começou a atuar como modelo, sendo capa de diversas revistas no Brasil e no exterior.

Um ano após posar nua para a Playboy, em 1983, Xuxa Meneghel foi convidada para comandar o programa “Clube da Criança”, na extinta TV Manchete. Sua carreira passou a se alternar entre desfilar durante a semana e apresentar o programa aos finais de semana.

Devido ao seu carisma, a TV Globo a convidou para apresentar o que viria a ser seu maior sucesso. O “Xou da Xuxa” era outro programa voltado para o público infantil e foi o pontapé para a fama da apresentadora, já que com ele, lançou músicas, clipes e álbuns musicais.

Em 1992, ela encerrou as apresentações no “Xou da Xuxa” e foi trabalhar no exterior. Apresentou três programas, um argentino, um espanhol e um americano, alcançando muito sucesso. Em 1994 voltou à televisão brasileira com “Xuxa Parque”. Em 1997, passou a apresentar o programa “Planeta Xuxa”, voltado para o público adolescente. Ficou grávida de Sasha, que nasceu em 1998 e retornou da licença maternidade em 2001.

Em 2002, após um incêndio nos estúdios do “Xuxa Parque”, passou a apresentar “Xuxa no Mundo da Imaginação”, que depois de alguns anos, em 2005, passou a se chamar “TV Xuxa” , o que durou até 2015, quando, em seguida, assinou contrato com a TV Record, consequentemente, saindo da TV Globo.

A apresentadora está sempre em evidência por participar de discussões políticas. Em 2013, Meneghel se uniu a diversos segmentos sociais contra o então presidente eleito da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados; Marco Feliciano (PSC-SP). Na época, o deputado pastor da Assembleia de Deus indicado para presidir a comissão, era conhecido por declarações racistas e homofóbicas nas mídias sociais, por isso houve intenso movimento social contra a posse dele, que acabou ocorrendo. Entre as declarações de Marco Feliciano, estavam as no Twitter, em 2011:

Em 2014, Xuxa depôs na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, na discussão do projeto que proíbe pais e responsáveis legais por crianças e adolescentes de lhes imporem castigos físicos ou tratamentos cruéis ou degradantes,, a chamada Lei da Palmada.

Recentemente Xuxa foi atacada nas mídias sociais por ter defendido o youtuber Felipe Neto. A apresentadora, em sua conta do Instagram, elogiou a atitude do youtuber, que apoiou a empresa de cosméticos Natura, por colocar um homem trans como personagem da campanha do Dia do Pais, , e havia sido alvo de críticas de grupos conservadores. A postagem de Xuxa alcançou alta repercussão e gerou reprovação, especialmente, por parte de bolsonaristas, como a atriz Antonia Fontenelle.

A Máquina Soluções, empresa que colaborou com a CPI das Fake News no Congresso, identificou uma mudança de foco em redes bolsonaristas no WhatsApp a partir do mês passado. Os grupos passaram a destacar, compartilhar e desenvolver mensagens voltadas para o combate à pedofilia, ao mesmo tempo que atacam, com falsas alegações, personalidades como Felipe Neto e Xuxa.

A excursão pelo universo das letras é uma experiência inédita na carreira de Xuxa. Além de preparar o lançamento de dois livros infantis e de uma autobiografia pela Editora Globo, para o segundo semestre deste ano, a apresentadora pretende lançar dois livros em 2021. É também a primeira vez que a apresentadora produz material com conteúdo LGBT.

Sobre controvérsias em torno da temática LGBT, o Coletivo Bereia realizou verificações anteriores, já que o assunto é constantemente pautado, em especial, por mídias religiosas.

Sobre o livro que Xuxa deve publicar

A notícia do Pleno News foi republicada em diversos blogs e portais de notícias, principalmente aqueles que integram o segmento religioso, a exemplo de Exibir Gospel, Portal do Trono, Folha Gospel e Gospel Mais.

A divulgação do livro a ser lançado foi feita no programa “OtaLab”, apresentado por Otaviano Costa. O programa aborda conteúdos informativos, celebridades, entretenimento, humor e música através de entrevistas no site UOL, perfis de Twitter, Facebook e Youtube do UOL. O programa no qual foi feita a entrevista com Xuxa, foi disponibilizado em 17 de julho de 2020, no Youtube.

Além da temática LGBT, a divulgação indica que o livro abordará de forma lúdica o amor aos animais e os valores do veganismo. Para Xuxa o livro demonstra “a importância da criança olhar para o bichinho e não ser aquela coisa especista ‘eu gosto de cachorro e gato, mas não tô nem aí para a vaca, para a galinha ou para o peixinho’. E aí também botei dessa maneira e acho que eu vou conseguir chegar onde eu quero”, conclui.

Em entrevista a Revista Veja Rio, a deputada estadual e presidente da Comissão dos Direitos da Criança, Adolescente e Idoso na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) Rosane Felix (PSD) repudiou a intenção da apresentadora escrever o livro com conteúdo LGBT para crianças. Rosane está avaliando quais providências serão tomadas para evitar que o público infantil leia a obra.

Também se manifestaram a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e o vereador Fred Mota (Republicanos). Zambelli utilizou suas mídias sociais para divulgar vídeo com críticas à apresentadora.

O vereador Fred Mota, que faz parte da bancada evangélica da Câmara Municipal de Manaus (CMM), teve uma moção de repúdio aprovada na CMM contra a apresentadora. O parlamentar argumentou que “não podemos deixar que nossas crianças sejam doutrinadas dessa forma. Deixo registrado o meu repúdio contra qualquer tipo de afronta aos nossos pequenos”.

Nas mídias sociais, a apresentadora recebeu críticas, mas também foi apoiada. Em uma das mensagens de apoio recebidas um seguidor disse: “Se Jesus voltasse agora, ele estaria muito triste com vários daqueles que se dizem cristãos. Viva o amor, tenha ele qualquer forma”. Xuxa compartilhou em sua conta no Instagram, em 23 de julho de 2020, um texto enviado ao companheiro, Juno, dizendo “olha que lindo o texto que o Ju recebeu de uma seguidora. Serve bem para a polêmica do livro que escrevi e que ainda nem saiu”. O texto fala da importância de perceber que a culpa pode ser verdadeira inimiga daqueles que querem liberdade para viver sua orientação sexual. O texto é atribuído a Renata Cortezac.

Em entrevista ao Metrópoles, a apresentadora afirmou que a renda obtida com a obra será revertida em doações para instituições que cuidam de animais no Brasil, para a Aldeia Nissi, na África e para uma organização não governamental (ONG) evangélica, que cuida de crianças, adolescentes e idosos.

Mediante a apuração feita, Bereia conclui que a notícia publicada por Pleno News é IMPRECISA. Embora ofereça conteúdo verdadeiro, já que realmente Xuxa Meneghel recebeu diversas críticas pelo livro que ainda lançará, a matéria de Pleno News não considera os diferentes olhares sobre a questão, ficando somente com o viés crítico à apresentadora, e induz leitores e leitoras a reprovarem o lançamento da publicação . Desta forma, o público fica impossibilitado de fazer o seu próprio julgamento acerca do caso e dos atores envolvidos, algo sintomático no contexto atual, construir opinião em alicerces informacionais sólidos, contribui com o fortalecimento da democracia.

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Referências de checagem

Xuxa é criticada ao anunciar livro LGBT para crianças. Portal Pleno News: https://pleno.news/entretenimento/tv/xuxa-e-criticada-ao-anunciar-livro-lgbt-para-criancas.html. Acesso em: 02 de agosto 2020

Deputada repudia livro infantil LGBT de Xuxa: ‘Deixem as crianças em paz!’. Revista Veja Rio: https://vejario.abril.com.br/beira-mar/deputada-livro-infantil-lgbt-xuxa-repudia/. Acesso em 02 de agosto 2020

Xuxa lançará livro para crianças com temática LGBT+: “O amor é mais importante”. Portal Gaúcha ZH: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2020/07/xuxa-lancara-livro-para-criancas-com-tematica-lgbt-o-amor-e-mais-importante-ckd0bp0kg000c0147pvsdydxp.html. Acesso em: 02 de agosto 2020

Engajada, Xuxa lançará livro com conteúdo LGBT para crianças. Jornal Estadão: https://emais.estadao.com.br/noticias/gente,engajada-xuxa-lancaralivro-com-conteudo-lgbt-para-criancas,70003374748. Acesso em: 02 de agosto 2020

Xuxa é acusada de sexualizar crianças e rebate: ‘Sai da minha página’. Notícias da TV: https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/celebridades/xuxa-e-acusada-de-sexualizar-criancas-e-rebate-sai-da-minha-pagina-40162. Acesso em: 02 de agosto 2020

Antonia Fontenelle detona Xuxa por apoiar Felipe Neto: ‘Imoralidade sem fim’. Notícias da TV: https://noticiasdatv.uol.com.br/mobile/noticia/celebridades/antonia-fontenelle-detona-xuxa-por-apoiar-felipe-neto-imoralidade-sem-fim-40091. Acesso em: 02 de agosto 2020

Xuxa irá doar renda de livro infantil com a temática LGBTQ+ a ONG evangélica. Portal Metrópoles: https://www.metropoles.com/colunas-blogs/leo-dias/xuxa-ira-doar-renda-de-livro-infantil-com-tematica-lgbtq-a-ong-evangelica. Acesso em: 02 de agosto 2020

Bolsonarista, Antonia Fontenelle ataca Xuxa por apoio a Felipe Neto. Revista Fórum: https://revistaforum.com.br/. Acesso em: 07 de agosto 2020

Grupos bolsonaristas miram pedofilia e põem Damares como saída, diz empresa. Coluna Rubens Valente: https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/08/06/redes-sociais-bolsonaristas-estrategia.h/. Acesso em: 07 de agosto 2020

Xuxa Meneghel está escrevendo autobiografia durante a quarentena. Folha Vitória: https://www.folhavitoria.com.br//entretenimento/noticia/06/2020/xuxa-meneghel-esta-escrevendo-autobiografia-durante-a-quarentena. Acesso em: 07 de agosto 2020

Portal Pleno News:
https://pleno.news/brasil/politica-nacional/zambelli-pede-a-xuxa-que-deixe-nossas-criancas-em-paz.html. Acesso em: 07 de agosto 2020

A Crítica, https://www.acritica.com/opinions/repudio-contra-xuxa-na-cmm. Acesso em: 07 de agosto 2020.

UOL Notícias, https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/08/06/redes-sociais-bolsonaristas-estrategia.htm Acesso em 9 ago 2020.

A Crítica, https://www.acritica.com/opinions/repudio-contra-xuxa-na-cmm Acesso em 9 ago 2020

É falso conteúdo divulgado em vídeo por advogada que acusa STF e TSE

Um vídeo publicado pela professora de Direito Tributário e advogada Lenice Moreira de Moura em seu canal no Youtube, em 02 de julho de 2020, divulgado também pelo canal TV Eterno Aprendiz (Youtube) tem alcançado alta repercussão nas redes religiosas. No vídeo, a professora apresenta acusações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Quem é a apresentadora do vídeo

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria e Mestre em Integração Latino-Americana pela mesma universidade, Lenice Silveira Moreira de Moura é Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Atualmente coordena o Grupo de Pesquisa e Extensão “Direitos Humanos, Tributação e Cidadania” do Centro Universitário do Rio Grande do Norte – UNIRN. Integra o Núcleo Docente Estruturante do Curso de Direito do UNIRN, além de lecionar Direito Tributário, Direito Processual Civil e Metodologia Científica da Graduação e Pós-graduação em Direito no UNIRN. É advogada nas áreas tributária e empresarial.

A advogada e professora não é conhecida por sua atuação profissional, mas por episódios polêmicos, os quais foram destaque na imprensa. O jornal Saiba Mais publicou, em 30 de março de 2020, matéria sobre a divulgação, por Lenice Moura, de foto adulterada da governadora do estado do Rio Grande do Norte Fátima Bezerra (PT), Na foto original, a governadora estava reunida com o vice-governador Antenor Roberto, o secretário de Saúde Cipriano Maia e o prefeito de Natal Álvaro Dias. O objetivo da reunião era definir ações de combate ao coronavírus no Estado do Rio Grande do Norte e o registro em foto foi publicado nas mídias sociais da governadora. Na foto foi incluída uma garrafa de cachaça, uma imagem de Iemanjá e um boneco vodu de Jair Bolsonaro. Na publicação, a advogada afirma, dentre outras coisas, que “é na base da macumba que essa gente busca realizar seus planos malignos”.

A repercussão foi imediata. O Centro Universitário Rio Grande do Norte (UNIRN), instituição onde Lenice Moura leciona, se manifestou sobre o caso com declaração emitida pela assessoria de imprensa, classificando a falsificação como “opinião”:

“A instituição é apolítica, não toma partido nessas coisas. A professora está refletindo uma opinião dela. As consequências são para a cidadã. O reitor não aceita proselitismo na instituição. O que ela faz fora da instituição, nas redes particulares sociais dela, é uma outra história. Não tem como misturar o profissional. O que não se aceita é que ela leve esse pensamento para dentro de sala de aula. Ela pode opinar, mas não reflete o pensamento da instituição. O que ela faz nas redes sociais, ela que responda.”

De acordo com a matéria do Saiba Mais, além do crime de racismo religioso, a professora e advogada pode responder por falsificação. Com a grande repercussão, a postagem foi apagada por ela.

A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio Grande do Norte (OAB-RN) também se manifestou sobre o caso. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão declarou que a professora não possui registro na OAB-RN, por isso não poderia agir a respeito.

Além de se expor como adversária da gestão da governadora Fátima Bezerra, Lenice Moura deixa clara sua posição contrária às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). No canal que a professora tem no Youtube, há diversos vídeos críticos aos ministros do STF em que ela afirma que o órgão quer implantar uma ditadura no Brasil. Nas outras mídias sociais as postagens de Lenice Moura reforçam o discurso de uma “suposta” censura imposta pelo STF, além de destacar operações realizadas pela Polícia Federal.

O Coletivo Bereia verificou o teor das afirmações da professora Lenice Moura, no vídeo que produziu no mês de julho com acusações ao TSE e ao STF, que tem sido intensamente propagado em redes religiosas.

1 –Haverá cassação de candidatos cristãos que forem eleitos, se comprovada pelo TSE a prática de abuso de poder religioso”

De acordo com matéria já publicada pelo Coletivo Bereia, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin propôs ao plenário do órgão que, a partir das eleições deste ano, abuso de poder religioso possa levar à cassação de mandato. A manifestação ocorreu durante um julgamento no TSE, referente ao caso da vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da Assembleia de Deus. Ela perdeu nas instâncias inferiores, que julgaram pela cassação do mandato, por conta da vereadora eleita ter pedido votos para os membros da igreja. O ministro Fachin votou pela não cassação da vereadora mas fez a proposta que gerou debate, que foi interrompido devido ao pedido de vista (tempo para analisar) feito pelo ministro Tarcísio Vieira Neto.

Segundo Fachin, diante do “caráter inovador da compreensão”, ele recomenda “a sua não aplicação a feitos pretéritos, em homenagem ao princípio da proteção da confiança”. O ministro afirmou que o debate sobre abuso de poder religioso ainda carecia de um “enfrentamento mais detalhado por parte deste Tribunal Superior”.

O ministro também afirmou que entende que a intervenção das associações religiosas nos processos eleitorais deve ser observada com atenção, considerando que igrejas e seus dirigentes ostentam um poder com aptidão para calar a liberdade para o exercício de sufrágio, debilitando o equilíbrio entre as chances das forças em disputa.

Antes da suspensão do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes proferiu seu voto e divergiu de Fachin, ao afirmar ter dúvida quanto à prática que se configura como crime de abuso de poder religioso, pois qualquer atitude abusiva pode ser enquadrada em abuso de poder político.

A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso Nacional se mobilizou sobre o debate no TSE. O grupo solicitou audiência com Fachin e a expectativa é que o ministro receba integrantes da bancada evangélica na primeira semana de agosto, após o fim do recesso do judiciário.

A FPE realizou reunião virtual no fim do mês de junho para discutir estratégias. Segundo o grupo, uma das frentes de atuação será a pressão sobre a corte. Deputados argumentam que não existe na legislação a previsão de abuso de poder religioso e que existem restrições a atividades de igrejas durante as eleições, como propaganda de candidatos somente do lado de fora de igrejas e templos.

O doutorando em Direito Constitucional Bernardo Seixas, explicou à reportagem de A Crítica, que a utilização de crença religiosa para se alcançar os mais altos cargos da República é um fato jurídico que deve ser evitado pelas regras eleitorais, pois existe possibilidade de a decisão política do cidadão não ser livre. “Não há previsão expressa sobre o abuso do poder religioso, mas somente de abuso econômico e político”, diz.

Já o Doutor em Sociologia Marcelo Seráfico, afirma à mesma reportagem que é importante o combate a toda e qualquer forma de abuso de poder, ou seja, a extrapolação de limites que assegurem a preservação da integridade das pessoas que participam de uma relação. O abuso expressa a tentativa de utilizar o poder, seja econômico, político ou religioso e torná-lo base para oprimir e subjugar as pessoas envolvidas. “Toda forma de abuso deve ser combatida, pois atenta contra a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária”, conclui.

A proposta do ministro Fachin foi feita em sessão do Tribunal Superior Eleitoral, portanto órgão apropriado para este tipo de debate. A sessão era pública e todas as opiniões e votos são passíveis de análise pelos veículos de comunicação e analistas políticos. Muito longe de uma perseguição religiosa, como faz parecer a professora Lenice Moura, em desinformação por vídeo, a proposta do ministro revela-se uma tentativa de aprimorar a democracia e corrigir possíveis distorções do processo eleitoral. Além do mais, foi colocada em discussão.

2 – “Ministros do STF ordenaram a apreensão de celulares e computadores de políticos cristãos, além de mandarem prender jornalistas e ativistas cristãos”

Bereia já publicou a matéria “Conheça o perfil e as ligações religiosas dos investigados no Inquérito do STF contra a fake news- parte 01” que trata do envolvimento de religiosos no inquérito das fake news do STF. A ordem de apreensão de celulares e computadores expedida pelo STF, referida pela advogada, trata-se, na verdade, da operação que é parte do inquérito das fake news, o que ela omite em sua apresentação. Foram expedidos, ao todo, 29 mandados de busca e apreensão pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduz as investigações.

Os mandados foram cumpridos pela Polícia Federal em cinco estados e no Distrito Federal. Entre os alvos estão pessoas próximas ao Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), a ativista Sara Winter, o empresário Luciano Hang e o blogueiro Allan dos Santos.

Na decisão o ministro também determinou o bloqueio de contas em mídias sociais, como Facebook, Twitter e Instagram dos investigados. Na ocasião, a assessoria do Twitter informou que não comentaria a decisão. Facebook e Instagram informaram que não foram notificados.

Segundo o ministro, a medida é necessária “para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”. As provas colhidas apontam, de acordo com Alexandre de Moraes, para a “real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como ‘Gabinete do Ódio'”.

Para o ministro, há “sérias suspeitas de que integrariam esse complexo esquema de disseminação de notícias falsas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes e o Estado de Direito”.

Em relação à prisão de ativistas e jornalistas cristãos, Bereia apurou que a afirmação se refere às prisões do jornalista Oswaldo Eustáquio Filho e da ativista Sara Winter pela Polícia Federal no final do mês de junho, na Operação Lume, que investigou o financiamento de atos que pedem o fechamento do STF e do Congresso Nacional.

No começo de julho, o jornalista foi solto por ordem do ministro Alexandre de Moraes, após 10 dias preso. Posteriormente foi divulgada a informação que Eustáquio havia sido preso novamente, mas foi constatado que a informação era falsa.

Uma das primeiras ativistas presas na investigação, Sara Winter, foi solta em 25 de junho, sob a condição de usar tornozeleira eletrônica.

A professora Lenice Moura desinforma com o vídeo que produziu, pois não contextualiza a situação em que se deram as apreensões e prisões relacionando-as ao inquérito das fake news e apresenta as decisões do STF como algo isolado.

3 – “Proibição de símbolos religiosos em repartições públicas e escolas e do ensino religioso no ambiente escolar”

Diante do princípio da Laicidade do Estado (artigo 5º, VI, da Constituição Federal), foi desenvolvida em 2017, a Sugestão Legislativa nº 27, resultante da Ideia Legislativa nº 73. 449, datada de 10 de maio do mesmo ano, intitulada “Proibição de Símbolos Religiosos em Órgãos Públicos”. Em parecer Nº 104 de 2019, o Senado Federal destaca que:

Com efeito, o estado brasileiro é laico, por definição constitucional, e lhe é vedado, por isso, ‘estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público’, como assinala o art. 19, inciso I, da Constituição.”

Desta forma, entende-se que a administração pública deve ser neutra com relação à religião. Locais de acesso público como escolas, salas de audiência, câmaras legislativas etc. não poderiam ostentar símbolos de qualquer grupo religioso.

De acordo com Paulo Moleta, em artigo publicado no Portal Jusbrasil, as mudanças culturais ocorridas no Estado Moderno, acompanhadas de uma teorização do poder político e de formulações em torno da liberdade religiosa, implicaram numa ruptura gradual com o modelo de Estado então existente e passaram a envolver ideias de neutralidade estatal e pluralismo ideológico e religioso.

Moleta argumenta que foi sob a influência destas transformações que o Brasil adotou a laicidade estatal, assegurando a todos os cidadãos, como garantias fundamentais, a liberdade de culto e de crença, além da igualdade, independentemente de convicções religiosas. Nota-se, porém, que apesar da proteção constitucional às liberdades de culto e de crença, assim como o caráter Laico do Brasil, em órgãos públicos brasileiros verifica-se a presença de símbolos religiosos como crucifixos, frequentemente encontrados em salas de audiência e em Tribunais.

Para ele a laicidade estatal é um regime de convivência social, onde instituições políticas são legitimadas pela soberania popular e não por elementos religiosos. O Estado Laico não deve ser entendido como instituição antirreligiosa ou anticlerical, mas como organização política que garantiu as liberdades religiosas.

Sobre o ensino religioso no ambiente escolar, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definem que as aulas de educação religiosa são permitidas na escola pública, desde que não sejam obrigatórias para os alunos e a instituição assegure o respeito à diversidade de crenças e coíba o proselitismo, ou seja, a tentativa de impor um dogma ou converter alguém.

STF se tornou o centro de polêmica envolvendo decisão referente ao ensino religioso confessional em 2017. O tribunal rejeitou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, da Procuradoria Geral da República, que pedia que o ensino religioso fosse apenas uma apresentação geral das doutrinas e não admitisse professores que fossem representantes de nenhum credo- como um padre, um rabino, um pastor ou uma ialorixá (mãe de santo). Com “voto de minerva” da presidente da corte à época, a ministra Carmen Lúcia, o STF decidiu pela permissão do ensino religioso confessional nas escolas públicas.

Na prática, as leis brasileiras permanecem como estão, mas fica autorizado que professores de religião no ensino fundamental (para crianças de 9 a 14 anos) promoverem suas crenças em sala de aula. Também continuam autorizados o ensino não confessional e o interconfessional (aulas sobre valores e características comuns de algumas religiões).

Na primeira sessão do julgamento, Barroso (relator da ação), Fux e Weber concordaram com o argumento da PGR de que o ensino religioso, mesmo que facultativo, pode expor crianças a constrangimentos, caso elas escolham não frequentar as aulas, por exemplo.

Esta também é a posição da maior parte das associações de educadores, ONGs de direitos humanos e congregações religiosas que pediram para que seus argumentos fossem ouvidos pelo tribunal.

A maioria dos ministros do Supremo argumentou que há como pregar a religiosidade e crenças específicas em escolas públicas sem violar a laicidade do Estado. A oferta do ensino religioso é obrigatória para a escola e optativa para o estudante de ensino fundamental.

Mas na prática cabe aos municípios e Estado legislar a respeito e às escolas acordar com os pais como o ensino religioso é incluído na grade escolar, o que tem levado a uma interpretação de um modelo de ensino nas aulas, bem como, ao privilégio de determinados credos frente a outros.

Lenice Moura não contextualizou estas questões no vídeo que divulgou. Não há legislação ou decisão do STF sobre símbolos religiosos em repartições públicas, apesar de a existência deles ferir a laicidade prevista na Constituição do país. A decisão do STF sobre ensino religioso nas escolas públicas vai justamente na contramão da suposta ameaça que a professora ressaltou no vídeo.

Bereia conclui que as informações oferecidas pela professora de Direito Tributário, Lenice Moreira de Moura são falsas. A professora omite e manipula informações a fim de criar medo de perseguição religiosa na audiência do vídeo que criou e gerar rejeição às ações do STF e do TSE, instituições relevantes para o resguardo das bases constitucionais do país. A criação de medo é uma das bases da disseminação de desinformação para que ativistas políticos ganhem adesão às suas propostas e destruam reputações, seja de pessoas, seja de instituições.

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Referências de checagem

Senado Federal. Atividade Legislativa. Sugestão nº 27, 2007. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129902. Acesso em 27 jul. 2020

Senado Federal. SENADO FEDERAL Da COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA, sobre a Sugestão n° 27, de 2017, que Proibição de símbolos religiosos em repartições públicas. RELATOR: Senador Eduardo Girão PARECER (SF) Nº 104, DE 2019. https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8004805&ts=1569242438306&disposition=inline. Acesso em 27 jul. de 2020

STF quer “tirar Deus” da democracia e quer transformar o Brasil em uma China tropical- Canal Lenice Moreira de Moura: https://youtu.be/vjPq577KeRA. Acesso em: 25 jul. 2020

STF quer tirar Deus do povo (democracia)- cita advogada e professora – TV Eterno Aprendiz: https://youtu.be/RwJIl6P3hL0. Acesso em: 25 jul. 2020

UNI-RN diz que não vai tomar partido no caso da professora que divulgou foto adulterada da governadora; OAB não se posiciona. Agência de reportagem Saiba Mais: https://www.saibamais.jor.br/uni-rn-diz-que-nao-vai-tomar-partido-no-caso-da-professora-que-divulgou-foto-adulterada-da-governadora-oab-nao-se-posiciona. Acesso em: 26 jul. 2020

Professora do curso de Direito de faculdades privadas de Natal acusa governadora Fátima e prefeito Álvaro de fazerem macumba contra Bolsonaro. Blog Thaisa Galvão: https://www.thaisagalvao.com.br/2020/03/30/professora-do-curso-de-direito-de-faculdades-privadas-de-natal-acusa-governadora-fatima-e-prefeito-alvaro-de-fazerem-macumba-contra-bolsonaro/. Acesso em: 26 jul.2020

Prisão de bolsonarista segue coberta por sigilo no STF, quatro dias depois… Coluna Rubens Valente https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/06/30/inquerito-fake-news-supremo.htm. Acesso em 27 jul.2020

Correio Braziliense. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/19/interna_politica,873496/nao-e-verdade-que-blogueiro-oswaldo-eustaquio-foi-preso-em-brasilia.shtml>. Acesso em 27 jul 2020.

Folha de São Paulo https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/07/jornalista-bolsonarista-preso-negar-ter-incentivado-atos-antidemocraticos.shtml. Acesso em 27 jul 2020

Jornal Valor Econômico: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/06/25/fachin-propoe-que-abuso-de-poder-religioso-leve-a-cassacao-de-mandato-ja-em-pleito-de-2020.ghtml. Acesso em: 27 jul. 2020

TSE debate cassação por abuso de poder religioso; evangélicos preparam reação. Portal CNN Brasil: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/07/01/tse-debate-cassacao-por-abuso-de-poder-religioso-evangelicos-preparam-reacao. Acesso em: 27 jul. 2020

Abuso de poder religioso para angariar votos pode ser motivo de cassação no TSE. Portal A Crítica: https://www.acritica.com/channels/cotidiano/news/abuso-de-poder-religioso-para-angariar-votos-pode-ser-motivo-de-cassacao-no-tse. Acesso em: 27 jul. 2020

Alexandre de Moraes determina quebra de sigilo de investigados e bloqueio de perfis na internet. Portal G1: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/27/moraes-determina-quebra-de-sigilo-de-investigados-e-bloqueio-de-perfis-na-internet.ghtml. Acesso em: 27 jul. 2020

PF prende blogueiro bolsonarista em investigação de atos anti-STF. Jornal Poder 360: https://www.poder360.com.br/justica/pf-prende-blogueiro-bolsonarista-em-investigacao-de-atos-anti-stf/. Acesso em: 28 jul. 2020

A retirada dos símbolos religiosos das repartições públicas. Portal Jusbrasil: https://paulocwb.jusbrasil.com.br/artigos/183777616/a-retirada-dos-simbolos-religiosos-das-reparticoes-publicas. Acesso em: 28 jul. 2020

Ensino Religioso e escola pública: uma relação delicada. Portal Nova Escola: https://novaescola.org.br/conteudo/74/ensino-religioso-e-escola-publica-uma-relacao-delicada. Acesso em: 28 jul. 2020

STF decide que escola pública pode promover crença específica em aula de religião. Jornal El País: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/31/politica/1504132332_350482.html. Acesso em: 28 jul. 2020

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/109224/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96#art-33. Acesso em: 03 ago. 2020.