O grupo temático sobre Direitos Humanos da Conferência das Igrejas Europeias refletiu sobre a liberdade religiosa ou de crença durante a luta contra a Covid-19.
A Conferência das Igrejas Europeias (KEK) publicou um documento com 10 pontos no qual reflete e analisa a questão da liberdade religiosa e de culto à luz das restrições que estão sendo vividas, em nível mundial, após a pandemia do coronavírus.
“A proibição das celebrações pascais nas igrejas é apenas um exemplo das restrições de longo alcance ao exercício de muitos direitos humanos e liberdades civis em todo o mundo, que fazem parte de um esforço para garantir que a distância física evite eficazmente as infecções de pessoa a pessoa. Como não houve qualquer restrição comparável nos tempos modernos à liberdade religiosa ou a muitos outros direitos fundamentais, e como esses direitos geralmente são vistos como a espinha dorsal da nossa democracia e do Estado de direito na Europa, o Grupo Temático sobre os Direitos Humanos da Conferência das Igrejas Europeias examinou atentamente as questões em jogo”, afirma o texto, que relaciona as várias questões que atravessam as medidas de contenção das atividades sociais.
A KEK parece encontrar um ponto de síntese em uma dialética capaz de manter um equilíbrio, por um lado, entre a salvaguarda da vida humana e a proteção das camadas mais frágeis da população, que “é um valor muito alto também do ponto de vista religioso e deve ser equilibrado com a necessidade de comunidade e de encontro”, e, por outro, a certeza de que as restrições dos direitos fundamentais têm uma base jurídica e são “necessárias, adequadas, razoáveis e geralmente proporcionais em relação ao objetivo a que servem e ao direito que limitam”.
Os 10 pontos propõem uma reflexão sobre o tipo de pandemia que estamos vivendo, sobre a limitação da liberdade religiosa ou de crença (Freedom of religion or belief – FoRB) cuja limitação está prevista em caso de emergências de saúde pública, sobre o caráter de salvaguarda da vida humana previsto pelas medidas de restrição que, nessa perspectiva, não deve ser “entendida como discriminação e perseguição religiosa” e sobre a “coerência na aplicação do ‘fechamento’, especialmente no que diz respeito à necessidade de tratar todos os atores do mesmo modo, de acordo com a suas comparabilidade objetiva”.
O documento conclui que, “embora seja sempre necessário, nos Estados democráticos baseados em regras, observar, discutir e controlar de perto as ações do governo, especialmente quando limitam os direitos fundamentais, este não é o momento para uma incompreensível “desobediência civil“, e convida os cidadãos e cidadãs, caso tenham dúvidas sobre a legalidade de qualquer procedimento, “a recorrer aos tribunais para avaliar e, se necessário, corrigir as medidas em questão”.
***
Conferência das Igrejas Europeias (CEC ) é uma irmandade de cerca de 116 ortodoxos, protestantes, anglicanas e antigas igrejas Católica de todos os países da Europa, além de 40 Conselho Nacional de Igrejas e Organizações em Parceria. A CEC foi fundada em 1959 e tem escritórios em Bruxelas e Estrasburgo.
Imagem de destaque: http://www.arquidiocesedepassofundo.com.br/formacao/liturgia/leitura-orante-da-palavra-de-deus
“Thomas Friedman não quer analisar nada, é pura guerra de propaganda, disputa pelo controle da narrativa e a apresentação de ‘estórias’ embaladas por preconceitos supostamente sofisticados de quem o lê”, escreve Bruno Lima Rocha, pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política e professor nos cursos de relações internacionais, jornalismo e direito.
Eis o artigo.
Diariamente somos surpreendidos pelo exagero na prepotência e na capacidade de desinformar, fazer circular ideias equivocadas, enfim, “mentir com algum estilo”. A estas técnicas de manipulação de audiências massivas – embora circular e muitas vezes temporária – o Império e seus aliados vêm denominando de “disputa narrativa ou disputa pelo controle da narrativa”. Como em todas as guerras, a primeira vítima é a verdade, na guerra híbrida de 4ª geração o padrão é o mesmo. Vejamos um exemplo de inversão de prioridades e denominações pejorativas para fazer valer uma tese falsa, onde quem reage agride e quem agride se torna apenas “preventivo”.
Em nosso país, o texto do autor da infame ode à mundialização capitalista, o best-sellerneoliberal “O mundo é plano” (editado no Brasil em 2005), foi traduzido e publicado (postado) no jornal Folha de São Paulo e depois reproduzido em diversas publicações na internet. O Principal veículo da família Frias fez circular a ideia de Friedman – o Thomas, que propagandeia também o Milton, mesmo que de forma dissimulada – ao afirmar a “burrice” iraniana. O título em português é “General iraniano morto em ataque americano era burro e superestimado”. (Acesse aqui).
Quando Friedman se refere ao major-general Qassem Soleimani (1957-2020), refere-se ao Estado persa, considerando que o militar assassinado por ordem de Trump se reportava diretamente ao Líder Supremo, o Grande Aiatolá Ali, logo se trata do mais alto nível decisório do país. Para ele, Thomas, o Irã seria “burro” porque não seguiu aproveitando o bom momento de crescimento econômico advindo das negociações multilaterais coordenadas pela ONU. Nestas a administração Barack Hussein Obama – com John Kerry à frente do Departamento de Estado – aliviaram uma parcela importante das sanções e do bloqueio econômico. As negociações para controle da pesquisa atômica se deram em 2015 – com a participação intensa da diplomacia brasileira à época – implicando em um crescimento econômico de 12% em 2016.
A “burrice” seria não seguir o boom de sua própria economia com mediana complexidade e se “aventurar” a ampliar a atuação na política regional no Oriente Médio. Para Thomas Friedman, ser “inteligente” é ficar “bem comportado”, de maneira quieta, acatando a hegemonia fática de Arábia Saudita e Israel, e não participando de conflitos onde operam seus principais aliados. Enfim, a “esperteza” seria entregar o xiismo ampliado à própria sorte, incluindo a relação com o Hezbollah na defesa da soberania nacional libanesa. “Inteligência” poderia ser ajudar a entregar a Palestina às traições da Autoridade “Nacional”, o cerco à Gaza e a ocupação da maior parte da Cisjordânia, incluindo o roubo de terras e valiosos recursos hídricos. “Sagaz”, para Friedman, seria portar-se como Egito após a traição de Camp David ou quiçá como os hachemitas do Reino da Jordânia, inventado pelos ingleses.
Poucas vezes li algo tão cínico, menosprezando tanto as capacidades do Estado persa como superestimando os países “ocidentais”, dentre os quais Israel se inclui sem sê-lo. De maneira alguma estou “defendendo” o Irã dos aiatolás de forma incondicional. Sou crítico – muito crítico por sinal – de sua política doméstica assim como me oponho à relação com a maioria sunita na Síria. A defesa da democracia política, das liberdades religiosas, da equidade de gênero, do federalismo étnico-cultural e de uma economia com base cooperativa rumando a um modelo socialista adequado ao Oriente Médio não encontra eco no cinismo de Thomas Friedman.
Eu insisto se fosse uma crítica humanista com honestidade intelectual, deveria separar os níveis de análise. A defesa da democracia social no Irã não nos impede de entender alguns acertos de sua política externa. Queria ver um Irã de plenos direitos para homens e mulheres, sunitas e xiitas, persas, árabes, azeris, balochis e curdos. Só não quero ver um Irã destruído pelos gringos e nem com um governo fantoche da Casa Branca.
O articulista do New York Times compara o Irã com uma força imperial na região. Em parte sim, Teerã exerce projeção de poder, mas essa é a norma das relações internacionais e não a exceção. Em termos gerais, o autor do livro “De Beirute a Jerusalém” (editado em 1989, facilmente encontrado em português) critica a única das quatro potências regionais (Israel, Arábia Saudita, Turquia e Irã) que enfrenta diretamente os cruzados ocidentais e não adere de forma completa aos russo-bizantinos.
Logo, a “burrice” dita por Thomas Friedman é a vontade soberana de exercer relações exteriores por parte de um país independente com assento na Assembleia Geral da ONU. Ou o ex-editor do jornal mais prestigiado dos EUA também considera que países independentes e com vontade própria sejam “burros”, devendo os povos do mundo se resignar a condições subalternas de capitalismo periférico?! Inteligente é a adesão ao imperialismo dos Estados Unidos ou quem sabe, à projeção de poder imperial de China é Rússia?! Foi “burrice” a independência da Argélia através de sua guerra de libertação? É uma “estupidez” lutar pelos direitos inalienáveis de cerca de sete milhões de palestinos vivendo sob o cerco, ocupação militar e apartheid impostos pelo Estado de Israel sendo estes últimos também financiados por Washington? Foi a “ameaçadora” presença do Irã no Líbano e na Síria que “forçou” Israel a influenciar o governo do Império e mudar sua política na região? O argumento absurdo contido no texto é esse.
Será que Thomas Friedman considera uma “burrice” do Reino do Qatar a afirmação de sua política externa independente, coordenando esforços comerciais e produtivos tanto com o Irã como com a Turquia? Seria pelo “raciocínio” do colunista um “despropósito” a existência de um conglomerado de comunicação de altíssima qualidade como a Al Jazeera?
Pela “lógica” de Friedman, a luta Federalista e Socialista do Curdistão é outra “estupidez” já que para tal a esquerda curda precisa enfrentar ao menos duas potências regionais simultaneamente. Poderia seguir em exemplos diversos desta caricatura de análise, mas creio já haver atingido o objetivo.
Thomas Friedman não quer analisar nada, é pura guerra de propaganda, disputa pelo controle da narrativa e a apresentação de “estórias” embaladas por preconceitos supostamente sofisticados de quem o lê. A grande “burrice” de Thomas Friedman é superestimar suas próprias versões, as quais se forem verdadeiras, são simplesmente “vazamentos” combinados de relatórios de inteligência. Melhore seu desempenho senhor colunista do Império, porque essa desinformação forçosa não emplacou.
A primeira versão deste artigo foi originalmente publicada no Monitor do Oriente.