Pleno News desinforma sobre pobreza no Brasil

O portal de notícias Pleno News indicou em texto de 23 de maio de 2021, que “Brasil e Panamá são únicos (países) latinos a reduzir pobreza”. 

A informação se valia de uma suposta notícia do portal da BBC de Londres. A matéria, na verdade, estava no portal “BBC News Mundo”, divisão em espanhol do portal BBC, e se valia de um estudo da Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL). No entanto, o estudo não apresenta dados sobre 2020-2021, apenas projeções.

O Estudo Original

A notícia do Pleno News se baseia em uma notícia veiculada pela BBC News Mundo, publicada no dia 20 de maio de 2021. O texto usava como dados estudo publicado pelo CEPAL em que se analisava os índices de pobreza, extrema pobreza, mercado de trabalho e outras variantes para a América Latina. A informação de que Brasil e Panamá reduziram pobreza foi exibida da seguinte maneira:

“O paradoxo do Brasil e Panamá – os únicos países onde se diminuiu a extrema pobreza foram Brasil e Panamá. Enquanto no Brasil a extrema pobreza caiu de 5,5% para 1,4%, no Panamá se registrou uma diminuição de 6,6% para 6,4%. Fonte: Projeção Cepal (Comparação 2029-2020).”

Há dois problemas na notícia original. O primeiro é a data de comparação: o estudo original compara de 2019-2020 (na notícia se escreveu 2029-2020, o que provavelmente constitui erro de digitação). O segundo diz respeito ao caráter do estudo: originalmente oi publicado no site do CEPAL em março de 2021, porém foi finalizado em 2020, usando dados de 2014-2019. Logo, não haviam dados sobre a situação da pandemia no mundo, uma vez que esta acometeu o país a partir de março de 2020, período não contabilizado no levantamento.

Quadro original que indica as projeções de pobreza e extrema pobreza em 2020, com base em 2019. Página 85 do estudo.

Um comunicado à imprensa no site do CEPAL, em 4 de março, no entanto, desfaz as projeções iniciais: no informe nota-se que a pobreza e a pobreza extrema aumentaram na América Latina como um todo e não é feita nenhuma menção em particular ao Brasil. 

Pobreza no Brasil

Diferentemente do que a notícia do Pleno News afirma em seu primeiro parágrafo, a extrema pobreza no Brasil aumentou durante a pandemia. Dados recentes, divulgados pela FGV Social, informam o aumento da pobreza e da desigualdade nos últimos quatro anos (2018 – 2021). O estudo “Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?”, baseado em dados do IBGE, mostra que 23,3 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza (R$ 232,00 por mês), equivalente a 11,2% da população. “A miséria subiu 33% nos últimos 4 anos. Foram 6,3 milhões de novos pobres”, relata a FGV Social.

Outros portais compartilharam a informação enganosa

A pesquisa do Bereia para esta matéria levantou que a notícia de que Brasil e Panamá reduziram a extrema pobreza foi replicada em outros portais, como o Terra Brasil Notícias, A Província do Pará, ContraFatos e o Focus.Jor – as referências usadas eram a notícia da BBC News Mundo, o estudo do CEPAL ou o próprio Pleno News. Todos, no entanto, seguiam a mesma lógica de tratar como realidade a projeção do CEPAL. A notícia dada pela Agência Brasil no dia 4 de março se destaca como cobertura jornalística que não corroborou a desinformação.

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Bereia classifica a notícia publicada pelo Pleno News como enganosa, a fim de levar leitores e leitoras a crerem que há políticas bem sucedidas na área da economia pelo governo do Brasil. O dado que embasa a matéria não diz respeito a uma queda na extrema pobreza, mas a uma projeção feita a partir de dados anteriores à pandemia, o que não foi contextualizado pelo portal de notícias. A desinformação encontra terreno mais fértil para proliferar com a ausência de estudos robustos como o do IBGE, cujo corte no orçamento inviabilizou a realização plena de pesquisas atualizadas sobre o dado.

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Referências

BBC,

https://www.bbc.com/mundo/noticias-57165791. Acesso em 27 de maio de 2021. 

CEPAL, https://www.cepal.org/sites/default/files/publication/files/46687/S2100150_es.pdf. Acesso em 1º de junho de 2021.

CEPAL, https://www.cepal.org/es/publicaciones/46687-panorama-social-america-latina-2020. Acesso em 27 de maio de 2021.

CEPAL, https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/pandemia-provoca-aumento-niveis-pobreza-sem-precedentes-ultimas-decadas-tem-forte. Acesso em 1º de junho de 2021.

FGV Social, https://cps.fgv.br/. Acesso em 1º de junho 2021.

FGV Social, https://cps.fgv.br/fgv-social-divulga-dados-ineditos-sobre-o-aumento-da-pobreza-e-da-desigualdade. Acesso em 1º de junho de 2021.


Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-03/pandemia-de-covid-19-eleva-indices-de-pobreza-na-america-latina. Acesso em 1º de junho de 2021.

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Foto de Capa: Cristiano Mariz

Deputado distorce dados e omite informações sobre teleaborto em tuíte

A pandemia está sendo usada como pretexto para se promover o teleaborto e os praticantes da modalidade não têm interesse na vida do bebê e na vida da mulher. Foi este o conteúdo divulgado no tuíte publicado pelo  deputado federal da Bancada Católica no Congresso Nacional Diego Garcia (PODE/PR), em 26 de abril passado, no qual dizia ser “taxado de radical por defender a vida”. A postagem não oferece informações sobre a realidade da modalidade, o lugar onde ocorre o procedimento e os movimentos a seu respeito.
Bereia investigou a veracidade dos pontos apresentados pelo deputado no tuíte.

“Entidades pró-aborto estão usando a pandemia p/ fazer aborto por meio da telemedicina, TELEABORTO.” – FALSO

A modalidade de teleaborto é uma realidade em alguns territórios dos Estados Unidos, e em países como Colômbia, Austrália, Inglaterra e Canadá desde antes da pandemia do coronavírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aborto por meio de ingestão oral de comprimidos para gestantes nas primeiras semanas de gravidez – o teleaborto consiste na ingestão assistida por videochamada de um médico devidamente certificado pelos conselhos regionais de Medicina. Os medicamentos são enviados pelas clínicas por correio, ingeridos pelas pacientes enquanto assistidas pelo médico em videochamada e apenas após exames presenciais de sangue e ultrassom. 

Alguns dos países citados viram os casos de solicitação de teleaborto crescer durante a pandemia. O movimento, apontam especialistas, se deve às restrições de circulação e ao risco de contágio do novo coronavírus, fazendo com que os abortos – que já ocorriam na modalidade presencial de atendimento – migrassem para as formas de telemedicina quando fosse seguro. Portanto, não são entidades pró-aborto que estão usando a pandemia, mas, sim a pandemia que leva pessoas a buscarem modalidades de telemedicina em todas as áreas.

Atendimentos de telemedicina, como deliverys e home office, já existiam antes da covid-19, mas viram a crise do novo coronavírus multiplicar a demanda por esses serviços. O deputado Diego Garcia, logo, incorre em uma falácia, ao apresentar o que é consequência da pandemia como uma causa avulsa. 

“P/ eles a vida do bebê ñ importa, a vida da mulher ñ importa.” – FALSO

Todo o movimento de telemedicina é amparado nas diretrizes que orientam a prática médica presencial, apenas usam a tecnologia para fazer chegar a saúde a lugares de difícil acesso. A telemedicina é um movimento implementado em grandes hospitais brasileiros, como o Albert Einstein, que dedica um setor exclusivo para o atendimento. Ao dizer que a “vida da mulher não importa” o deputado afirma que a saúde das mulheres que realizam o teleaborto é considerada de menor importância no tratamento médico, quando é o oposto que ocorre, segundo as instituições médicas.

O mesmo relatório da OMS também indica os prejuízos econômicos e de saúde de se levar a cabo gravidez de risco, apontando que a interrupção de gravidez nas primeiras semanas é segura e desejada para mulheres que não tenham realizado planejamento familiar para ter o filho. Em diversos países o direito não é restrito, como é o caso da legislação brasileira, que só prevê o aborto em casos de estupro, anencefalia e risco de vida da mulher. O teleaborto permite a não ocupação de leitos de UTI por pessoas que possam receber o atendimento em casa.

Teleaborto no Brasil

No Brasil não há teleaborto como projeto de lei federal. Um dia depois da publicação do tuíte do deputado Diego Garcia, no entanto, sua colega na Câmara dos Deputados Chris Tonietto (PSL/RJ) entrou com um requerimento de informação sobre a prática no Ministério da Saúde. O requerimento contém informações falsas sobre o único caso encontrado de teleaborto no país: a iniciativa promovida pela médica Helena Paro, em Minas Gerais, realizado dentro do que prevê a legislação do país (em caso de risco de vida para a mulher causado pela gravidez, quando a gestação é resultante de um estupro ou se o feto for anencefálico).

O projeto de Helena Paro é amparado juridicamente pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero Anis. A ginecologista e obstetra, que orientou o aborto seguro da menina de 10 anos estuprada no Espírito Santo, propõe um modelo que segue os moldes de Estados Unidos e União Européia para a realização de um aborto seguro, legal e que se valha da telemedicina para continuar salvando vidas. Seu trabalho já acarretou no aborto seguro realizado por 15 mulheres durante a pandemia, que não precisaram ocupar um leito de UTI e teve 100% de recuperação positiva sem necessidade de internação pós-intervenção. 

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Bereia avalia que o conteúdo postado no Twitter pelo deputado federal Diego Garcia é falso. A informação que ele dissemina distorce dados sobre o teleaborto, que é desconhecido e nem é praticado comumente no país, fazendo uso de pânico moral em relação ao tema.

Referências

BBC, https://www.bbc.com/portuguese/geral-52777810 

OMS, https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/77079/9789243548432_spa.pdf?sequence=1 

SOS Vida, https://sosvida.com.br/telemedicina-eduardo-cordioli/ 

Instituto Anis, http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=BioeticaBrasilIntegra&id=26 

Requisição Chris Tonietto https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0q936dufhxf731hmj1a0bsq7hg4411480.node0?codteor=1999684&filename=Tramitacao-RIC+535/2021

Revista Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/tres-mulheres-um-direito/ UOL, https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/04/07/teleaborto.htm